Terreno é desocupado no bairro Vicente Pinzón; famílias relatam violência
Ordem judicial respaldou a retirada de 94 famílias, que ocupavam desde o dia 22 de abril deste ano um terreno particular abandonado. Barracos foram demolidos em cerca de três horas após ação policial, com gás lacrimogêneo e um trator
16:12 | Set. 22, 2016

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Cerca de 94 famílias que ocupavam um terreno particular de 11,7 mil m², na avenida Engenheiro Luiz Vieira (bairro Vicente Pinzón), foram retiradas do local durante a manhã desta quinta-feira, 22, por determinação de uma ordem judicial. Às 7 horas, dois oficiais de Justiça e 60 policiais do Batalhão de Choque ordenaram a desocupação. Houve uso de gás lacrimogêneo, pelo menos duas crianças foram socorridas à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e um homem foi preso por desacato.
Após três horas, paredes de madeira e papelão estavam no chão, homens e mulheres ainda corriam pelo terreno levando eletrodomésticos e pertences pessoais. A reintegração, de acordo com o oficial de Justiça Francisco Rolando, foi solicitada pelo dono no dia 25 de abril deste ano, três dias após a instalação das famílias no terreno.
Os moradores informaram que estavam dormindo quando foram avisados que teriam uma hora para desocupar o local. Eles contam que as mulheres foram atacadas com spray de pimenta e, por isso, reagiram. Segundo o major Gerlúcio Vieira, equipamentos não letais foram utilizados depois da resistência de moradores "com paus, pedras e rojões". O homem foi detido e levado ao 9º Distrito Policial.
O presidente da Associação dos Moradores Morro do Sandra's, José Maria Lourenço, 50, informou que as famílias são todas "nascidas e criadas" no bairro. Antes, os ocupantes viviam de aluguel ou nas casas de familiares do entorno, que agora também temem serem expulsos de suas casas. “Todo mundo acordou com a chegada dos policiais, que fizeram logo aquela barreira, se preparando como guerreiros, derrubando tudo. Nunca nem fomos notificados”, disse.
Na ordem judicial, consta que o terreno é de propriedade do empresário do setor hoteleiro Nelson Otoch. Um representante dele, que acompanhava a desocupação, disse ao O POVO Online que o local foi invadido e não daria declarações sobre a ação.
Moradores
A filha de três anos, além da sobrinha bebê de Sabrina de Sousa, 21, passaram mal com o cheiro do gás e foram levadas, às pressas, para a UPA. "Os pobres no valem nada, deixam nossas coisas jogadas. O terreno, além de estar abandonado, era descuidado e só servia para estupro e assalto. Nós ficamos 15 dias limpando e melhoramos a segurança daqui", afirmou.
Capatazes e carros de mudanças, disponibilizados pelo proprietário, levavam móveis de algumas pessoas para casas de amigos e parentes. Quem não tem para onde ir deixou as coisas em uma faixa da rua, logo atrás do terreno. "A gente está aqui porque precisa, não é porque a gente quer. Cadê nosso direito?", criticou a dona de casa Maria Lurdes, 33.
Saiba mais
A ordem judicial foi expedida em 25 de abril, mas foi adiada até que todo o aparato logístico fosse providenciado. Focos de incêndio foram registrados durante a desocupação, e o Corpo de Bombeiros foi acionado para apagar as chamas.
Em nota, o Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar informou que entrou em contato com lideranças, após o despejo. "Relataram ações abusivas da Polícia, pessoas passaram mal ou se machucaram e foram para a UPA. Eles ficaram de vir aqui para serem atendidos e darmos os devidos encaminhamentos", assinou a advogada popular Luanna Marley.
Prefeitura
De acordo com a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), as famílias que ocuparam irregularmente o terreno podem fazer o cadastro nos programas habitacionais ofertados pelo município, como o Programa de Locação Social - PLS (aluguel social) e o Minha Casa, Minha Vida.
A Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor) e a Guarda Municipal de Fortaleza informaram, em nota conjunta, que não participaram da desocupação.
Também por meio de nota, a Secretaria da Regional II explicou que acompanha diariamente a área, ''com o objetivo de evitar ocupações em áreas públicas próximas, como passeios e vias''.
Atualmente, estão disponíveis em Fortaleza 1.250 vagas no PSL, 700 administradas pela Habitafor e 550 pela Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Sesec).