Cooperativismo no campo: futuro da agricultura familiar e protagonismo das juventudes

1º Encontro Juventude e Cooperativismo da Agricultura Familiar do Sistema Fecomércio Ceará evidencia sucesso de estratégias para sociobiodiversidade, economia rural e permanência de jovens no campo

07:45 | Nov. 20, 2025

Por: Lucas Casemiro
Os jovens das cooperativas reunidas no evento advêm de 23 municípios e abrangem sete regiões do Estado. (foto: Lucas Casemiro)

Duzentos jovens representantes de 26 cooperativas de agricultura familiar chegaram ao Hotel Ecológico Sesc Iparana, em Caucaia, na tarde da última quarta-feira, 19, para participar do 1º Encontro Juventude e Cooperativismo da Agricultura Familiar, realizado pelo Sistema Fecomércio Ceará.

O evento continua até sexta-feira, 21, como um desdobramento e celebração do sucesso do projeto de Aquisição de Gêneros Através do Credenciamento de Cooperativas da Agricultura Familiar. Iniciado no segundo semestre de 2023, já no primeiro ano oportunizou R$ 8 milhões em compras das cooperativas.

A iniciativa é do presidente do Sistema Fecomércio Ceará, Luiz Gastão. A ideia surgiu da necessidade da compra de insumos alimentares de qualidade para abastecer escolas e restaurantes do Sesc e Senac no Ceará, aliado ao desejo de beneficiar o pequeno produtor e a agricultura familiar.

As cooperativas, então, foram articuladas por meio de um edital com respaldo em um marco regulatório que as apresenta como protagonistas do meio legal para a execução do projeto, uma vez que são empresas sociais que pagam impostos e possuem regulamentação fiscal.

Desde então, o desenvolvimento dessas organizações só cresce, evidenciado pelo montante de compra dos alimentos: foram mais de R$ 40 milhões diretamente investidos nas populações rurais em apenas dois anos. Uma economia que circula internamente, no Ceará, gerando descentralização de renda que beneficia principalmente as comunidades rurais, do Cariri ao Sertão Central.

“Movimentou o mercado local, porque essas pessoas cortam cabelo, fazem unha, compram moto, compram tecnologia para as suas unidades produtoras… consomem, também. O território se ergue!”, explica Marlea Nobre, diretora administrativa do Sistema Fecomércio Sesc e Senac.

“Isso tem gerado desenvolvimento econômico real. Tem cooperativa que já adquiriu, a partir das suas vendas, caminhão novo, câmara fria, além de equipar a cooperativa do ponto de vista administrativo”, reforça Eudes Xavier, consultor de programação social do Sesc e Senac.

O diferencial, segundo ele, é que à medida em que oportuniza às cooperativas a venda para um sistema empresarial robusto, o Sistema Fecomércio Ceará também oferece qualificação. “Estamos com uma experiência em Caucaia com um biodigestor, para melhorar a área ecológica de produção: é produzir fertilizantes a partir da matéria-prima que se tem na área de assentamento”, exemplifica.

 

O poder das juventudes

O encontro tem como foco as juventudes do campo, tida pelo Sistema Fecomércio Ceará como pilar estratégico do desenvolvimento regional. Durante três dias, os jovens, que têm de 18 a 33 anos, participarão de atividades formativas e de momentos de integração, com palestras e diversas oficinas temáticas.

“A gente viu a necessidade de ter justamente esse olhar para entender o que o jovem do campo está pensando, e como a gente consegue aproximar ele desse projeto (de aquisição de alimentos) e fortalecê-lo, porque sem o jovem, o programa acaba tendo uma dificuldade no médio e longo prazo”, explica o vice-presidente da Fecomércio Ceará, Luiz Fernando Bittencourt.

“O jovem às vezes encara seguir a profissão dos pais, principalmente quando é trabalhar com o campo, como se fosse algo difícil, coisa árdua. E o Sistema Fecomércio, através do Sesc e Senac, tem o prazer muito grande de poder transformar essa ideia, e mostrar que isso é empreendedorismo, que o futuro deles passa por eles, e que podem ser grandes empresários com a agricultura familiar”, complementa Claudia Brilhante, diretora institucional e chefe de gabinete do Sistema Fecomércio Ceará.

Jessica Rodrigues, 32, veio de Aracati com mais 16 jovens representantes da Cooperativa da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Solidário (Coopades). Ela conta que a cooperativa produz mensalmente cerca de 50 toneladas de alimentos orgânicos, como frutas e verduras.

Fundada em 2015, uma das estratégias da organização para o futuro sustentável da agricultura familiar é investir na transferência de conhecimentos, oferecendo cursos para que agricultores e jovens rurais se atualizem sobre técnicas de plantio e colheita.

“São cursos que falam sobre plantação. A gente tem um agrônomo, que leva (os participantes) para saber qual parte do solo está fértil para a plantação, o momento certo de colher, para o produto sair bem, na mesa”, explica a cooperada, que atua na logística de distribuição dos alimentos e no marketing da Coopades.

De acordo com ela, esse desenvolvimento passou a ocorrer de forma robusta após o apoio do Sistema Fecomércio Ceará. Trata-se de famílias que produzem um sistema alimentar regenerativo e que respeita a biodiversidade, uma vez que não utilizam agrotóxicos.

 

Sucessão rural

No primeiro dia do evento, a diretora administrativa do Sistema Fecomércio Sesc e Senac, Marlea Nobre, ministrou a palestra “Sustentabilidade e a Juventude da Agricultura Familiar – Desafios e Projetos Sustentáveis”.

Ela explica que o momento com os jovens teve o objetivo de instigar e fomentar a sucessão rural. “Não é uma sucessão de terra, de um pai que deixa terra aos filhos. Mas é uma sucessão que diz: não migre. Acredite! Fique aqui! Desenvolva o território, porque juntos, principalmente os jovens, vamos lutar por tecnologia, financiamento, microcrédito, educação, por água”, reforça.

A iniciativa é uma estratégia de enfrentamento a uma realidade já posta no Brasil: o êxodo rural das juventudes, impulsionado, em grande parte, pela falta de oportunidades no campo. Quando isso ocorre, perde-se capital humano, seja intelectual ou força de trabalho. “Com isso, vai o desenraizamento afetivo, o enfraquecimento da memória e do afeto do território”, frisa.

A proposta é mostrar que o jovem deve ter orgulho de sua origem no campo e que há tecnologias para que possa desenvolver seu trabalho “sem tanto pesar e sofrimento de uma agricultura sem apoio, como era com seus pais e avós”. É, enfim, criar as condições para que a migração rural seja uma escolha consciente e, sobretudo, uma escolha, não mais condicionada à falta de opção no campo.