Esporte delas: mulheres cearenses que usaram o talento para superar o preconceito nos esportes
Fátima Dutra, Elaine Gomes e Silvana Lima mostram que apoio em casa e na escola abrem caminho para meninas no esporte
16:00 | Set. 23, 2025
O futebol entrou cedo na vida de Fátima Aquino Dutra, mais conhecida como Fatinha. Natural de Cedro, cidade há cerca de 400 quilômetros de Fortaleza, com cerca de 25 mil habitantes, ela começou a jogar ainda criança, incentivada pelo pai que, mesmo sem carreira profissional, transmitia paixão pelo esporte. “Eu brincava de bola com minha irmã desde muito nova. Acompanhava muito meu pai nos jogos e comecei a sonhar em ser profissional”, lembra a lateral esquerda, hoje com 24 anos, que não esquece os desafios da carreira. “O preconceito é uma das grandes dificuldades, principalmente de algumas pessoas próximas. Mas o mais difícil é a falta de valorização e investimentos como merecemos”, afirma.
A carreira de Fátima começou no projeto Menina Olímpica, onde conquistou o Campeonato Cearense de 2016, e seguiu por equipes como Tiradentes-PI, XV de Piracicaba, 3B da Amazônia, Vitória das Tabocas e Ceará, até se transferir para Portugal em 2019, onde defendeu Torreense e Sporting CP. Em 2024, retornou ao Brasil para integrar o elenco da Ferroviária e em 2025, o sonho se tornou realidade. Fatinha foi escalada para a Seleção Feminina de Futebol e conquistou a Copa América, ao lado de referências como Marta, Duda Sampaio e Gabi Portilho “A sensação foi de realização. O que senti não consigo explicar, mas foi incrível do início ao fim,” disse ao Jornal O Povo.
Essas conquistas se somam às histórias de outras atletas cearenses que transformam dificuldades em motivação. A pivô de handebol Elaine Gomes, campeã mundial em 2013, precisou se emancipar aos 13 anos para assinar seu primeiro contrato profissional em Santa Catarina, depois de receber na escola, o incentivo para jogar. “O Handebol começou pra mim na escola, conheci no interclasse que tinha na semana cultural, depois comecei na escolinha com o Professor Paulinho e também no Colégio Manuel da Silva e aí me apaixonei real. Saí do Álvaro Weyne com apenas um tênis para viver em outro país, mas quem acredita sempre alcança”, lembra a atleta de 33 anos, que hoje defende o time Handball Club Hapoel Ashdod, de Israel.
No surf, a atleta Silvana Lima sabe como ninguém enfrentar as dificuldades. A surfista profissional que passou a infância surfando com pedaços de madeiras e pranchas emprestadas atingiu a marca de melhor surfista brasileira por 8 vezes e o vice-campeonato mundial por duas vezes, mas nem isso livrou a atleta da falta de interesse e patrocínio. “Cheguei a vender meu apartamento no Rio de Janeiro, meu carro, vendi filhote de cachorro pra seguir em frente. Se eu fosse homem não teria passado por tudo que passei. Acho que eu já teria uma condição financeira bem maior do que eu tenho”, atesta a atleta que acaba de conquistar o vice campeonato da 3ª etapa do Circuito Banco do Brasil de Surfe 2025 na Praia da Vila, em Santa Catarina.
Estatísticas e oportunidades
Essas trajetórias individuais refletem o que mostram também os números. Dados da UNESCO revelam estatísticas preocupantes no que diz respeito à inclusão e permanência das meninas e mulheres no esporte. Segundo o levantamento, 49% das meninas abandonam a prática esportiva durante a adolescência, taxa seis vezes maior do que a dos meninos, enquanto a ausência de mulheres em cargos de liderança e a disparidade salarial permanecem desafios estruturais. No Brasil, iniciativas como o projeto Esporte Delas 2025, da Fundação Demócrito Rocha e da Universidade Aberta do Nordeste, buscam enfrentar esse cenário com cursos, oficinas e formações gratuitas, fortalecendo a presença feminina no esporte desde a escola até o alto rendimento.
“O Esporte Delas 2025 quer mais meninas e mulheres jogando, treinando, liderando e ocupando espaços no esporte. Queremos formar professoras, treinadoras, estudantes, líderes comunitários, gestoras e qualquer pessoa que acredita que o esporte deve ser para todas e todos”, ressalta Daiany Saldanha, coordenadora de conteúdo do projeto.
O curso
O projeto oferece um curso gratuito e online, que já está com inscrições abertas para explorar as diferentes dimensões da participação feminina no esporte. Com uma carga horária de 70 horas, o curso é dividido em quatro módulos, que exploram desde os equívocos e ambiguidades do corpo feminino, passando pelo papel da escola na inclusão e permanência das meninas no esporte, até como o esporte pode ser tornar um fio condutor de promoção de autoestima, liderança e protagonismo feminino.
Oficinas presenciais
Além de aprofundar a reflexão por meio do curso e dos conteúdos digitais, o Esporte Delas também se materializa em experiências presenciais. É nesse ponto que entram as oficinas, pensadas para aproximar a discussão do dia a dia das escolas e criar vivências coletivas capazes de fortalecer ainda mais o protagonismo feminino no esporte.
Realizadas em escolas públicas de ensino médio de Fortaleza, as oficinas reúnem alunas e professores de educação física em atividades que combinam rodas de conversa e experiências corporais como biodança e yoga. “Mais do que aulas, são espaços de escuta e expressão, onde meninas podem compartilhar histórias, refletir sobre seu lugar no esporte e descobrir novas formas de fortalecer a autoestima, o corpo e as relações coletivas”, reflete Daiany.