Stênio Gardel: a palavra como lugar, memória e transformação
Primeiro brasileiro a vencer o National Book Award, escritor cearense revisita sua trajetória, sonhos e as expressivas conquistas literárias
11:47 | Set. 23, 2025
Para Stênio Gardel, contar histórias é falar, também, sobre o lugar de onde ele veio. Nascido em Limoeiro do Norte, interior do Ceará, sua obra aborda memórias, preconceitos e os lugares que lhe atravessam, por dentro e por fora. “O lugar, as vozes, os preconceitos, entre outros elementos que trago nas minhas memórias são parte da minha escrita porque são parte crucial de mim mesmo”, explica.
O sonho da escrita começou pelo fim da infância, mas ficou guardado até os 36 anos, quando decidiu finalmente colocar suas palavras páginas afora. Em 2023, o autor ganhou visibilidade internacional, com a premiação de seu livro de estreia, “A palavra que resta”, no National Book Award, prêmio literário mais importante dos Estados Unidos.
O feito foi inédito para um autor brasileiro. “[Essa conquista representa] mais um passo, um passo gigantesco, é verdade, no meu percurso, na minha busca pela escrita literária. Claro, o evento em si foi meio que surreal, mas procuro sempre lembrar da tonalidade concreta que quero e preciso manter impressa na memória e no sentimento, a de que eu escrevo e o que escrevo é importante para algumas pessoas”, frisa.
A obra, que também foi semifinalista do Prêmio Jabuti, conta a história de Raimundo, homem analfabeto que, na juventude, teve uma relação de amor intensa, mas brutalmente interrompida. Dela, resta uma carta que ele nunca pôde ler. Mais de 50 anos depois, Raimundo começa a estudar para enfim decifrar as palavras guardadas de seu antigo amor.
A narrativa é atravessada pela oralidade, poesia e questões como sexualidade, aceitação e violência. “A própria história do Raimundo pedia que eu passasse por esses assuntos. E em certa medida o que eu compartilho como ele, a minha homossexualidade. Nunca sofri as violências que ele sofreu, mas revisitei muito do meu processo de aceitação para elaborar o dele, porque também me escondi por vários anos, porque tive medo e vergonha de quem eu era por vários anos”.
Neste sentido, o autor destaca o alcance e a visibilidade que as narrativas LGBTQIAPN+ proporcionam. “Ainda é necessário sim que autores e experiências LGBTQIAPN+ estejam nas editoras, nas prateleiras, nas mãos dos leitores, na mídia, nas premiações. Isso vale não apenas para a ficção, mas também para o nosso cotidiano. Estar, viver, ocupar todos os espaços nos é tão de direito quanto a qualquer pessoa heterossexual”.
Para Stênio, a presença dessas histórias no cotidiano é fundamental, pois representam vidas, ampliam horizontes e provocam empatia. A interação com os leitores reforça esse poder transformador. “É sempre surpreendente ouvir a experiência dos leitores com meus livros. Primeiro pelo impacto que percebo, pela força que os livros podem ter na nossa vida. Antes de publicar, vivia isso como leitor, agora tenho a preciosa oportunidade de viver como autor. E é uma força, uma potência que não podemos antecipar na hora da escrita”.
Com o público jovem, a experiência é ainda mais intensa. “Percebo que eles estão se vendo mais nos livros que leem, o que é ótimo tanto porque mostra mais pluralidade nas publicações como porque aumenta a potência das histórias. Ler-se pode representar um momento decisivo na nossa vida, por levantar perguntas, indicar respostas ou iluminar nossas ações e reflexões por outras perspectivas. E se eles se veem mais, quero acreditar que se tornam mais abertos a ver os outros”.