Blecaute: a arte como ferramenta política da periferia
O estudante de Filosofia e artista visual fala sobre a sua obra, as referências de seu trabalho e a importância de investimento em artistas periféricos
19:00 | Set. 17, 2025
Ele sabe muito bem quem é, de onde veio, o que quer fazer. De um celular com tela trincada à pintura a óleo, Helder Carlos Xavier de Araújo — o Blecaute —, de 24 anos, soma conquistas com as quais nunca tinha nem sonhado. Ele exalta as raízes no Conjunto Riacho Doce, no bairro Passaré, periferia de Fortaleza. Para Blecaute, a arte é uma ferramenta política e de mudança social.
O artista quer "ser ponte" entre os mais velhos e os que virão, defendendo sempre o investimento nos que estão "nas margens, nas periferias". O também estudante de Filosofia pesquisa a temática das liberdades e celebra a população negra no Ceará em suas ilustrações.
Blecaute revela a importância da liberdade como tema central em seu trabalho, explorando-a sob diferentes óticas, e sublinha o poder da arte para construir novas narrativas. "Eu investigo a temática das liberdades, ora ontológica, ora antropologicamente e, através da potência de fabulação que a pintura permite, construo novos imaginários daqueles que tiveram suas feições e histórias apagadas pelo colonialismo", explica.
"Neste sentido, penso e utilizo a arte como uma ferramenta de História-memória, rememorando e retomando com dignidade estas figuras. Também concretizo, celebro e afirmo a importância e existência da população negra no estado do Ceara, primeira província a abolir a escravização, mas que por muito tempo foi conhecida por não ter negros", detalha.
Ele enfatiza o uso da arte como ferramenta política e de resgate histórico, principalmente ao reinterpretar figuras negras e apagadas pelo colonialismo, conferindo-lhes dignidade e visibilidade. O atual trabalho de Blecaute chama-se "LIVRE PRA CARALHO", por meio da qual ele propõe uma nova perspectiva para figuras que tiveram suas feições e histórias apagadas.
"Quando crio retrato de Preta Tia Simoa e Ana Souza — sendo o retrato uma das técnicas mais valorizadas e destinadas às elites, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo — lhes devolvendo um sorriso aberto, com joias em seus dentes, orelhas e pescoço, com cabelo loiro-pivete e sobrancelha com risquinhos, não apenas busco recuperar suas dignidades, mas aproximá-las de nós, pessoas negras que moram nas favelas de Fortaleza e do Ceará", diz.
A arte na periferia: "eu só sou porque nós somos"
"Nas periferias de Fortaleza, que é onde eu vejo e para onde eu olho, corpos negros e favelados estão fazendo com pouco e entregando excelência, porque tudo que precisamos é de uma oportunidade", defende.
Ele deseja que mais projetos de intercâmbios artísticos sejam desenvolvidos e que o incentivo à arte seja de fato uma política de Estado. "O que jovens artistas das periferias do Ceará estão criando é também em resposta a isso. Nos unindo em diferentes linguagens também porque é necessário. Sozinhos nós somos quebrados muito facilmente, já unidos por todos os meios necessários e entregando excelência, creio que sem dúvidas venceremos e que lutaremos sem medo pela cultura no Ceará."
O artista voltou recentemente de sua minha primeira viagem internacional, à França. Lá, ele fez uma performance durante a exposição que faz parte “Baile Funk: Un cri de liberté”. Há pouco, também encerrou a primeira exposição individual “EU NÃO TENHO MEDO". Ele comemora o segundo trabalho com a Kenner, cujo significado é especial.
"Algo muito valioso, pois minha primeira memória de autoestima foi ganhando uma bermuda de veludo e um par de Kenner. Sei que quem é de favela vai entender. Falo isso no sentido de pensar que, para quem não sonhava com nada disso, até que cheguei longe. Fico muito feliz em conseguir citar e trazer meus semelhantes em cada um destes momentos, os eternizando em pinturas mas também no discurso, pois eu sei que eu só sou porque nós somos", comemora.
"Está sendo uma experiência única ver meu trabalho alcançando espaços que sequer sonhei, foram muitas noites produzindo e estudando para minhas pesquisas de arte. Isso não é garantia de que dará certo, mas temo que se não fosse assim não teria conseguido construir as oportunidades que hoje, felizmente, estão a mim sendo confiadas e eu faço questão de abrir essas oportunidades com quem acredito", reflete.