Tarifaço preocupa produtores e abala cocoicultura do Ceará
| Meio às negociações | Expectativa é de entrar na lista de exceções dos EUA e de que abertura de novos mercados surta efeito
07:00 | Ago. 05, 2025
Os números que demonstram o impacto do tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump na balança comercial do Ceará com os Estados Unidos têm rostos no interior do Estado.
Em Paraipaba, a 92,71 km de Fortaleza e 6.186 km de Washington DC (EUA), O POVO encontrou produtores e catadores preocupados com a taxa de 50% aplicada à agroindústria que compra deles a maior fatia da produção mensal de 4,5 milhões de cocos.
A cidade é repleta de coqueirais do Centro até as áreas mais afastadas e construiu, desde o declínio da cana de açúcar há mais de 40 anos, um dos principais polos produtores de coco verde no Estado, com área de 2,5 mil hectares no distrito irrigado Curu-Paraipaba.
Mas, longe das mesas de interlocução, o município tem esse indutor da economia ameaçado pelos planos do presidente dos EUA.
Informação que sequer fazia parte do dia a dia do negócio deles. Na cadeia produtiva do setor, os produtores estão na base, fornecendo a matéria-prima para que a agroindústria extraia a água, envase e engarrafe para a venda no mercado internacional.
Tarifa de exportação/importação era um ponto fora das negociações que passou a ser assunto recorrente. Afinal, após o anúncio da ordem executiva pela Casa Branca na última semana, o componente foi responsável pela renegociação do valor do litro da água de coco com as indústrias, que caiu de R$ 1,80 para R$ 1,60.
A quebra do preço no meio do ano em contratos fechados a cada 12 meses deixou os negócios no limite da viabilidade econômica, segundo contaram os produtores Vandcarlos Lima, Jonas Oliveira e Wellington Sousa ao O POVO.
“Quando eu ouvi essa zoada aí, eu liguei para o industrial e perguntei: vai mexer com a gente? Ele disse que ainda não. Mas mexeu. Agora, a gente espera que essas autoridades entrem num acordo e se resolvam. A nossa esperança é essa, hoje”, desabafa Vandcarlos despejando nas promessas dos governos estadual e federal de novos mercados um novo fôlego também.
E há quem sofra mais. Aqueles que optam por vender os cocos sem contratos, a partir da lei da oferta e da demanda, têm o litro pago a R$ 1 e amargam perda de 200%, uma vez que chegaram a comercializar a produção de até R$ 3 por litro.
“Realmente, quem vai sofrer danos gerais é aquele que está na ponta, né? A cadeia da cocoicultura vai sofrer danos. Dependendo da formatação do cálculo dos caras que mandaram até chegar aqui, a gente vai para mais ou para menos nesse sofrimento”, lamenta Wellington.
Cadeia produtiva do coco atrai investidores
A cocoicultura de Paraipaba reúne diversos perfis na atividade. Além dos industriais que mantêm a produção para ter domínio de mais uma parte da cadeia, há quem viu oportunidade de crescer no negócio, como é o caso de VandCarlos e Wellington.
O primeiro deles começou a lida do coco quando saiu de Mombaça, a 304,5 km de Fortaleza, para São Paulo. Na região de Santos, ele viu os tios lidando com o comércio de coco e viu em Paraipaba, nos idos de 2001, a oportunidade de entrar no negócio. Hoje, na companhia dos pais, lida com área de 12 hectares arrendados em Paraipaba e mais 40 hectares próprios em Acaraú, a 244,7 km da Capital.
Welligton nasceu em Fortaleza e se criou em Paraipaba, mas só após servir o Exército e empregar esforços em uma mercearia resolveu investir na cultura do coco, ainda nos anos de 1990. Atualmente, tem o ponto comercial alugado e o trabalho focado em cerca de 40 hectares de coco.
Já Jonas é neto dos chamados colonos da área. Essas pessoas foram trazidas pelo Dnocs para ocupar a área com a condição de produzir uma cultura específica que era aposta agrícola da época, no caso a cana de açúcar. “Quando eu comecei a me entender como gente já estava dando bem o coco, aqui”, conta. Hoje, ele e o pai possuem 4 hectares próprios e mais dois arrendados de 4 hectares cada, também.
“Quando o coco está bom, a economia de Paraipaba fica movimentada. Mas quando está ruim o nosso bem-estar social vai embora. O poder de compra, a saúde… É tão bom a gente ver o povo ganhando o seu dinheiro e gastando com seu filho na praça. Agora tá ameaçado”, diz Wellington enquanto os outros assentem.
A fragilidade dos empregos da cocoicultura
A preocupação deles tem no sustento de milhares de trabalhadores o principal motivo. Atualmente, nas contas feitas por Vandcarlos, há cerca de 30 caminhões por dia carregando coco em Paraipaba, entre carretas da indústria e alugadas pelos produtores. Além do condutor, “cada carrada precisa de quatro a dez trabalhadores para colher e fazer o carregamento”.
Os 2,5 mil hectares também demandam mão de obra. Para dois hectares, os produtores estimam entre dois e quatro trabalhadores mantendo irrigação, adubação e limpeza das áreas. Dinheiro que, na mão desse pessoal, movimenta a cidade.
Mas sofre pela fragilidade de uma mão de obra empregada predominantemente por contratos informais de trabalho. A carteira assinada não é regra e, quando encontrada, é destinada aos chamados moradores dos terrenos, aos quais o proprietário da plantação cede uma casa.
Somado a isso, os produtores reconhecem que falta articulação entre eles para defender as demandas e os preços pela produção. Na base, a cadeia não é organizada por sindicatos ou associações, seja de trabalhadores ou produtores. Apenas a agroindústria do coco tem representação e articulação no Ceará.
É esse pessoal que tem chegado ao governador Elmano de Freitas (PT) e ao vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin para defender a cadeira produtiva que movimentou, apenas nos primeiros seis meses de 2025, US$ 8,8 milhões entre o Ceará e os Estados Unidos.
Mesmo com tarifaço de Trump, Lula diz que não vai deixar de buscar moeda alternativa para o dólar