Como as mudanças climáticas afetam a economia?

Além de impactar o equilíbrio ecológico de ecossistemas, colocando a biodiversidade planetária em risco, o aquecimento global ameaça à estabilidade econômica mundial, afetando a vida de milhares de pessoas

21:40 | Ago. 27, 2021

A soja contribui para a alta de preços. Uma das causas que explica o aumento é o fator climático, com o desmatamento provocado pelo homem (foto: Ibama)

A intensificação do aquecimento global pode trazer graves prejuízos à produtividade agrícola, gerando inflação de produtos alimentícios, como ocorreu com o aumento do valor do café por causa das secas e geadas ocorridas em 2021. A maior probabilidade de eventos climáticos extremos dificulta o planejamento dos plantios baseado em previsões meteorológicas, diminuindo a produtividade das lavouras e prejudicando as colheitas.

Fenômenos naturais localizados podem gerar efeitos econômicos negativos em escala global, de modo que o que acontece no Brasil venha a prejudicar o poder de compra de pessoas em outros países. Como o planeta é um imenso sistema interconectado, de maneira que o funcionamento da economia depende da manutenção do equilíbrio climático, uma pequena mudança gera efeito dominó com consequências graves a curto, médio e longo prazo.

“Especificamente em termos de consumo, o principal impacto negativo é o aumento de preços generalizados. A percepção mais forte vem dos alimentos in natura, por conta de colheitas prejudicadas por enchentes, geadas e ou estiagens, que também afetam a produção de diferentes tipos de matérias primas, tornando assim o processo produtivo mais caro”, comenta Suely Salgueiro, doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e professora dos cursos de Economia Ecológica e Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em se tratando de café, por exemplo, a geada ocorrida em julho deste ano está dando aos produtores um segundo golpe depois de uma seca intensa deixar, no início de 2021, os campos ressecados, esgotando os reservatórios de água necessários para a irrigação do solo. Além disso, com previsões do La Niña para setembro, fenômeno que atrasa as chuvas na região sudeste, a seca deve se agravar e culminar na elevação dos preços do insumo agrícola também em 2022.

Mudanças climáticas e produtividade agrícola

Desde o período pré-industrial até agora, houve um aumento de 1,1°C na temperatura média do Planeta. De acordo com levantamento do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, do inglês ‘Intergovernmental Panel on Climate Change’) publicado no dia 9 de agosto de 2021, caso não haja uma redução considerável nas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, a temperatura da Terra pode subir entre 1,5°C a 2°C no século 21. Os dados começaram a ser coletados e sistematizados em 1950.

Conforme relatório da empresa de seguros Swiss Re, caso o aumento da temperatura média planetária seja de 2ºC, a economia global pode perder 10% do PIB até 2050. Caso o aumento seja de 2,6°C, a redução seria de 14%; por fim, se o aumento for de 3,2ºC, as perdas econômicas chegariam a 18%.

Segundo o economista sênior do World Resource Institute (WRI) Brasil, Rafael Barbieri, em matéria do G1, 30% do desempenho da produção de alimentos é definido pelo clima. Insumos, fertilizantes, genética e práticas agrícolas respondem por 70% da produtividade. Ou seja, um problema de clima afeta a produtividade, independentemente de todo o investimento feito em tecnologia.

Além disso, secas prolongadas prejudicam o desenvolvimento das plantações, enchimento de grãos, como arroz e feijão, e deterioram a qualidade do pasto. Portanto, devido ao clima imprevisível, agricultores e pecuaristas têm o planejamento de produção dificultado, visto que organizam as safras com base na sazonalidade climática.

Divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na última terça-feira, 10 de agosto, o 11º Levantamento da Safra de Grãos 2020/2021 estima que a produção brasileira de grãos sofreu uma queda de 1,2%, de 260,8 milhões de toneladas para 254 milhões. Banana, batata, laranja, limão, tomate e manga são alguns dos produtos que ficarão mais caros. Outros, como alface e grãos, terão menor qualidade devido ao clima. O milho será a cultura mais afetada, chegando ao total de 86,7 milhões de toneladas, o que representa uma queda de 25,7% na produtividade. O campo sofreu com as baixas temperaturas registradas em julho, as mais intensas desde 1994.

Para reduzir os danos do aquecimento global provocado pelo homem, urge a tomada de atitudes que contenham a elevação da temperatura. Para tanto, deve-se seguir o Acordo de Paris, compromisso firmado entre 195 países durante a COP 21 em 2015, cuja principal meta é reduzir a emissão de gases do efeito estufa para combater a crise climática e manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2ºC.

“A crise climática está no topo das preocupações mundiais. Os demais problemas estão de algum modo ligados a ela, seja como consequência, seja como causa. Precisamos mudar hábitos de consumo e processo produtivos, para garantir que não iremos exaurir a natureza, e que as próximas gerações consigam viver saudavelmente no planeta”, explica Suely.

Caso não haja um esforço para a mitigação do efeito estufa, ondas de calor extremo diminuiriam a capacidade de trabalho humano e a produtividade das lavouras. Furacões, ciclones e tufões deixariam milhares de pessoas desabrigadas após arrasar cidades. Secas e geadas reduziriam colheitas, dificultando ainda mais a árdua tarefa de bem nutrir uma população numerosa que sofreria com a insegurança alimentar.

Ainda que se fale em termos hipotéticos, as tragédias ambientais já são cada vez mais frequentes. Há dois anos, Moçambique foi acometido pelo destruidor ciclone Idai; a Austrália vem enfrentando, desde de 2019, ondas de incêndios devastadores; a Grécia também foi palco de grandes incêndios em 2021 e a Floresta Amazônica, o ar-condicionado do mundo, vem registrando estações de secas prolongadas desde 2010.

Com toda a necessidade de reduzir os danos das alterações climatológicas, a fim de garantir a sustentabilidade planetária, o aquecimento global, segundo o IPCC, já é irreversível e sem precedentes e, por conseguinte, eventos extremos estão a ponto de se tornarem inevitáveis, sendo inequívoca a influência do ser humano nas mudanças do clima.

Por outro lado, a diminuição nas emissões de poluentes trará benefícios imediatos, melhorando a qualidade do ar que respiramos, mas ainda seriam necessários 30 anos para a estabilização da temperatura média planetária. Não seria suficiente, por exemplo, para contenção do derretimento de geleiras, que eleva o nível dos oceanos, inundando cidades, acidificando o ph marinho, prejudicando ecossistemas aquáticos e, consequentemente, a pesca e a agricultura.

Cesta básica nacional x clima

No Brasil, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o preço da cesta básica já custa R$ 650, quase 60% do valor do salário mínimo nacional, R$ 1100. O fim da política que garantia aumentos salariais acima da inflação, juntamente com a alta nos preços dos alimentos, influenciado também por questões climáticas, limitou o poder de compra do trabalhador brasileiro.

Em 2020, carne, leite, manteiga, arroz, soja e batata foram produtos que contribuíram para a alta de preços, além dos citados anteriormente. A inflação, evidente em muitas capitais, é causada pela desvalorização cambial e o alto volume das exportações, e por fatores climáticos, em decorrência de longos períodos de estiagem ou de tempestades intensificadas pelas mudanças climáticas.


Mudanças climáticas, pobreza e desigualdade

Além de impactar o equilíbrio de ecossistemas, colocando a biodiversidade planetária em risco, as mudanças climáticas ameaçam a estabilidade econômica mundial, afetando a vida de milhares de pessoas e reforçando desigualdades existentes.

Segundo relatório publicado pelo Banco Mundial em 2021, estima-se que as mudanças climáticas devem levar à pobreza extrema 132 milhões de pessoas até 2030, de modo que somente as doenças, provocadas direta ou indiretamente pelas alterações no clima, levem 44 milhões de humanos à miséria.

O relatório é uma revisão de um estudo realizado em 2020 que explora os efeitos combinados do desenvolvimento socioeconômico no futuro próximo com base nas mudanças nas condições climáticas e ambientais que o planeta vem sofrendo, levando em consideração o agravante pandêmico. Para a organização, é considerada extrema pobreza viver com até $ 1,9 por dia, aproximadamente R$ 10.

Segundo Suely Salgueiro, toda crise é desfavorável aos diversos extratos sociais no mundo; mas, é devastadora àqueles que já lutam pelo mínimo de dignidade, pela garantia de direitos básicos as vezes nem reconhecidos. “A imensa dívida social que todas as sociedades têm com os excluídos fica totalmente nítida diante da crise climática, que tende a aprofundar as desigualdades. Não falo só dos pobres, falo também dos negros, das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, das crianças e idosos.”

Como consta no estudo, a Covid-19 deixa a maioria dos países com altos níveis de dívida e menos recursos para investir no desenvolvimento socioeconômico, diminuindo acesso a serviços de saúde e infraestrutura. Uma redução mais lenta da pobreza extrema e das desigualdades existentes entre agora e 2030 significaria, por causa da pandemia, um maior empobrecimento da população em face dos impactos decorrentes das mudanças climáticas.

Em se tratando de gênero, estudos de agências das Nações Unidas mostram que as mulheres representam atualmente 70% da população mundial mais vulnerável e 80% das pessoas deslocadas por causa de desastres ambientais. Por questões culturais e insegurança financeira, a crise climática leva famílias a retirarem meninas da escola, transformando-as em trabalhadoras domésticas, de modo que possam ajudar na economia do lar.

De acordo com o Fundo da ONU para as Populações (UNFPA), as mudanças climáticas devem aumentar a desigualdade e consequentemente os índices de violência de gênero, casamento infantil e complicação na gravidez. “Elas são maioria entre as vítimas das enchentes e quando forçadas a deixar suas casas, ficam mais vulneráveis à violência de gênero. Se considerarmos a interseccionalidade, esse panorama se agrava mais quando a raça define essa parcela extremamente vulnerável da população”, acrescenta Suely.

Brasil perdeu 15% das áreas de água doce em três décadas

O baixo nível atual dos reservatórios que mergulhou o Brasil numa crise hídrica não parece ser um fato isolado. Em todo o país, a água doce disponível para consumo vem desaparecendo da superfície num ritmo assustador: 15,7% dela foram perdidos nos últimos 35 anos, informou reportagem da DW.

Foram 31 mil km² de área inundada que evaporaram definitivamente nesse período – como se todo o Sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana de São Paulo, tivesse sido esvaziado 16 vezes. O cálculo faz parte de uma iniciativa inédita do MapBiomas, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, e disponibilizado numa plataforma online gratuita.

A análise da série histórica foi feita por meio de imagens de satélites obtidas a partir de 1985, ano em que começaram a ser registradas. A tendência de queda de água superficial foi registrada em todos os seis biomas do país. O mais afetado foi o Pantanal, a maior planície inundável do planeta. De 1985 a 2020, o decréscimo foi de 68%. "São dados alarmantes. É um sinal de que o Pantanal está secando como um todo, que ele está morrendo. Uma área úmida sem água perde seu principal atributo ecológico", avalia Cássio Bernadino, coordenador de projetos do WWF-Brasil que participou do levantamento.

A região com o rio mais volumoso do planeta, a Amazônia, também não passou incólume pelo fenômeno. No período analisado, a redução observada foi de 10,4%. "Isso é uma enormidade para a maior bacia hidrográfica do mundo", ressalta Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. A água doce que escorre para o oceano não tem voltado para abastecer o continente em forma de chuvas.

Colapso da máquina natural de chuva

A análise evidenciou o impacto do corte das árvores na Amazônia na própria região. Onde a mata nativa some, o entorno fica mais seco. Uma demonstração vem da zona conhecida como arco do desmatamento, por onde a devastação histórica avança mais rápido sobre a floresta. É nessa fronteira agrícola que propriedades rurais estão construindo reservatórios descontroladamente.

"O sujeito está na bacia Amazônica, a maior do país, e a água não dá mais conta, ele precisa fazer reservatório para o período de seca. São mais de 50 mil reservatórios, a grande maioria irregular, algo que, até então, não aparecia nos mapas", diz Azevedo sobre uma das descobertas do levantamento. Toda essa situação provoca uma série de impactos graves em cadeia. Como esses reservatórios estão localizados nas cabeceiras dos rios, há menos água escoando para os cursos dos rios e para onde está a floresta. Isso desregula de forma preocupante o funcionamento da máquina natural de produção de chuvas que é a Amazônia.

Pesquisadores alertam para as consequências que o intenso desmatamento da floresta tropical, registrado na última década, pode gerar, como mudanças no regime pluviométrico do Brasil, fomentando secas recorrentes, esturricando o solo e prejudicando a agricultura nacional.

Além de funcionar como uma bomba de água natural, a floresta amazônica é o “ar-condicionado do mundo”, de modo que ajuda na regulação da temperatura da Terra, sendo peça-chave na mitigação do aquecimento global e na manutenção do equilíbrio climático planetário.