Estaleiro aguarda há meses ordem de serviço da Petrobras para começar obra
O caso mais delicado é o do Estaleiro Honório Bicalho, operado pela QGI na cidade de Rio Grande. Desde 2005, quatro plataformas foram concluídas na unidade, que responde pela construção e integração de módulos. Ultimamente, no entanto, a palavra que impera no local é expectativa, já que o estaleiro enfrenta um período de "entressafra" que dura mais de um ano. Em setembro de 2013, quando estava prestes a entregar a P-58, a QGI assinou contrato para a construção da P-75 e da P-77. De lá para cá, milhares de trabalhadores foram demitidos e o reinício das obras é seguidamente adiado.
De acordo com uma fonte ligada à indústria naval gaúcha, o primeiro ano após a assinatura de um contrato para a construção de uma plataforma costuma ser dedicado à preparação do projeto, o que envolve soluções de engenharia, adequação do canteiro e compra de material. No caso da QGI, portanto, as contratações de pessoal e o pontapé inicial nas obras estavam previstos para o último trimestre de 2014, só que nada foi feito até agora.
"Já devia ter começado, mas a Petrobras tem que emitir a ordem de serviço e fazer os primeiros pagamentos", disse a fonte ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. "Para alguém assinar alguma coisa na Petrobras está difícil. A (operação) Lava Jato está atrasando tudo. Eu diria que não há uma previsão concreta (para o início das obras)."
Nesta semana, fonte ouvida pelo Broadcast no Rio de Janeiro disse que o Conselho de Administração da Petrobras reiterou a decisão já informada pela presidente da estatal, Graça Foster, de que não irá recorrer a financiamento de bancos em 2015 para captar recursos, em meio à crise enfrentada pela companhia. A ideia seria aproveitar o atraso no cronograma de projetos para economizar o caixa da empresa.
Procurada, a assessoria da QGI se limitou a afirmar que já está recebendo material para os projetos da P-75 e P-77. A assessoria de imprensa da Petrobras informou que os contratos das plataformas P-75 e P-77 estão em andamento
De acordo com a estatal, no cronograma dos projetos somente é prevista no Estaleiro Honório Bicalho a execução de atividades de construção e montagem no início de 2015 para a P-75. "Atualmente, estão em progresso no estaleiro o recebimento de equipamentos críticos como compressores de gás e turbo geradores e as atividades de montagem de estruturas metálicas de 8 módulos da P-75. De acordo com o planejamento da empresa QGI, ocorrerá nos próximos meses o aumento do efetivo de trabalhadores para fazer frente às necessidades das atividades de construção e montagem", diz a nota.
A Petrobras também tem outros contratos em vigor no sul do Estado. O Estaleiro Rio Grande, operado pela Ecovix, entregou a P-66 no final de 2014 e, atualmente, está fazendo os cascos da P-67 e da P-69. Já o EBR (Estaleiros do Brasil), operada pela japonesa Toyo e a brasileira Setal, tem contrato para realizar a integração da plataforma P-74 na cidade de São José do Norte, vizinha a Rio Grande. A estrutura do estaleiro começou a ser erguida em 2013 e não há informações oficiais do andamento da obra - o site do EBR está fora do ar e a direção da empresa foi procurada mais de uma vez pelo Broadcast, mas não quis se manifestar. A Petrobras também foi consultada sobre esse caso, mas até o fechamento dessa reportagem não havia enviado resposta.
Além dos problemas envolvendo a Petrobras, os estaleiros do sul do RS enfrentam desafios internos também provocados pela operação Lava Jato, já que todos têm participação direta ou indireta de empresas que são investigadas pela Polícia Federal. A QGI é controlada pela Queiroz Galvão e pela Iesa, ambas envolvidas no escândalo. A Ecovix, por sua vez, faz parte da mesma holding da Engevix, igualmente alvo da Lava Jato. No caso da Toyo Setal, que controla o estaleiro EBR, dois executivos fizeram acordo de delação premiada sobre o esquema de corrupção na Petrobras.
Embora os estaleiros insistam em negar que as investigações estejam prejudicando as atividades, nos bastidores a percepção é de que as obras estão "com o pé no freio". Em nota ao Broadcast, a Petrobras informou que os contratos vigentes com as empresas envolvidas na operação Lava Jato "foram preservados e continuam válidos e mantidos os requisitos contratuais, incluindo cronograma". No fim do ano passado, a Petrobras suspendeu temporariamente 23 empresas envolvidas no escândalo de participar de novas licitações.
Emprego
As incertezas colocam em dúvida o futuro da indústria naval gaúcha e, no curto prazo, afetam os trabalhadores do setor. A QGI, quando estiver no pico do cronograma de construção da P-75 e da P-77, deverá ter uma equipe de cerca de 4 mil funcionários em atividade. Hoje, porém, sem o aval da Petrobras para o início das obras, apenas 300 pessoas atuam na QGI em Rio Grande - em 2013, quando três plataformas eram feitas simultaneamente na unidade, o número de colaboradores chegou a 10 mil.
"Estamos hoje com cerca de 7 mil metalúrgicos experientes desempregados na região, aguardando contratações", disse o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Rio Grande e São José do Norte, Benito de Oliveira Gonçalves. Ele alega que a Ecovix demitiu funcionários depois de entregar a P-66 e que a demora da QGI em contratar está agravando a situação.
Procurada pelo Broadcast, a assessoria da Ecovix informou que a construção das plataformas segue etapas que exigem um número maior ou menor de trabalhadores e que "as movimentações de pessoal estão ligadas a estas etapas". De acordo com a empresa, hoje o quadro de funcionários tem 7 mil pessoas e não há demissão em massa no estaleiro.
O presidente do sindicato também afirma que o EBR - onde segundo ele hoje trabalham cerca de 600 pessoas - teria outras mil vagas abertas, mas que os operários locais, mesmo já tendo participado da construção de outras plataformas, estariam com dificuldade de colocação devido à preferência do estaleiro em trazer mão de obra de outros Estados.
Em Charqueadas, a 60 quilômetros de Porto Alegre, outras centenas de pessoas aguardam recolocação profissional, depois de serem dispensadas pela Iesa Óleo e Gás - que teve o contrato rescindido pela Petrobras para a construção de 24 módulos de plataformas. Representantes sindicais de Rio Grande e de Charqueadas estão programando manifestações para os próximos dias, com o objetivo de chamar a atenção das autoridades estaduais e federais para o problema envolvendo o setor.