Surf Salva Vidas: 30 anos de parceria e segurança no mar cearense

Em três decadas de atuação, já foram formados mais 6 mil surfistas que hoje atuam como agentes de segurança aquática

13:34 | Jul. 12, 2025

Por: Carlos Daniel
Turam da Escola Erê Surf no Pontão do Iguape, em Aquiraz formada entre os dias 22 a 24 de janeiro deste ano (foto: Ascom CBMCE)

O projeto Surf Salva Vidas é a mais antiga iniciativa do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) voltada ao salvamento aquático no Estado.

Criado em 1995 como um projeto-piloto pelo então aspirante ao Corpo de Bombeiros Ronald Aguiar, tornou-se permanente em 1998, sob o comando do então 2º tenente Cláudio Barreto, hoje coronel e atual comandante-geral do CBMCE. Barreto também é surfista e esteve à frente das atividades por mais de 20 anos.

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A proposta do programa é capacitar surfistas para atuarem como colaboradores no resgate de vítimas de afogamento nas praias do litoral cearense. O curso teórico e prático, oferece aulas sobre técnicas de resgate com pranchas, identificação do grau de afogamento e aplicação de primeiros socorros.

Hoje, sob a coordenação do major Chailon Fonteles, o projeto forma mensalmente novas turmas em diversas regiões do litoral. Já são mais de 6 mil surfistas capacitados ao longo dessas três décadas.

“Os surfistas são os primeiros a chegarem na praia — inclusive antes do Corpo de Bombeiros e dos guarda-vidas — e são os últimos a saírem. Estão em contato direto com o mar, muitas vezes se deparando com situações reais de ocorrência”, explica o major Chailon.

O treinamento

Realizado em três manhãs consecutivas, o curso oferece aos surfistas técnicas eficazes de prevenção e resgate, sempre priorizando a segurança do próprio socorrista. Ao fim do curso, os participantes recebem um certificado chancelado pelo CBMCE.

No primeiro dia, os alunos aprendem primeiros socorros, incluindo a ressuscitação cardiopulmonar, utilizando bonecos de treinamento. Também são ensinados a identificar os seis graus de afogamento.

No segundo dia, já no mar, os alunos praticam o uso da prancha como equipamento de flutuação, aprendem as técnicas corretas de retirada da vítima da água e transporte até a areia.

Já o terceiro dia é reservado para um simulado completo, onde os participantes aplicam o conhecimento adquirido desde o resgate até os procedimentos de estabilização da vítima enquanto aguardam o socorro especializado.

Além dos surfistas, o projeto hoje inclui também praticantes de kitesurf, stand-up paddle, canoa havaiana e nadadores em mar aberto.

“Nos últimos anos, o projeto se ampliou muito. Hoje temos buscado capacitar atletas de outras modalidades aquáticas que também estão em contato direto com o mar e podem fazer a diferença até a chegada do socorro", afirma o major.

A força da comunidade

De acordo com Chailon, a receptividade da comunidade do surf tem sido espontânea e intensa. As formações acontecem por meio de parcerias com escolinhas de surf locais, que mobilizam os participantes.

"A gente entra em contato com as lideranças locais, eles formam a turma e nós vamos até lá ministrar o curso", explica.

O projeto também tem um papel social importante. Muitos jovens, após participarem das capacitações, buscam seguir carreira na área de segurança pública. Além disso, são orientados sobre educação ambiental e preservação do litoral cearense.

“Eles entendem que não é só chegar, surfar e ir embora. Têm um papel também na conservação do ambiente onde vivem. Recolher lixo, orientar os banhistas, contribuir com a segurança”, afirma.

Resultados

Segundo o major, embora não exista uma estatística precisa sobre o número de salvamentos realizados por surfistas capacitados, o impacto é evidente. Só na Praia do Futuro, onde o CBMCE atua diariamente, são mais de 500 resgates por ano — muitos deles com a participação direta dos surfistas.

“Muitos pontos da praia não têm posto fixo de bombeiros. E nesses locais, o surfista é quem realiza o resgate. Quando nossa equipe chega, a vítima já está fora da água, graças a esses voluntários”.

O projeto, que inicialmente atendia apenas o litoral, também foi adaptado para o interior do estado, com formações voltadas para locais com rios, açudes e lagos, onde também há alto risco de afogamentos.

Evolução do projeto

Para o major Chailon, o Surf Salva Vidas evoluiu significativamente. No início, era preciso convencer os surfistas a participarem. Hoje, são eles que procuram o CBMCE. “Tem mês que temos até quatro turmas pedindo o curso”.

Ele também destaca que, hoje, o público é mais diverso e mais preparado intelectualmente, o que permite a aplicação de protocolos mais avançados. A preocupação com o meio ambiente também tem crescido entre os participantes.

Acompanhamento pós-curso e reciclagem

O acompanhamento é feito principalmente por meio das escolinhas parceiras e nos locais onde o CBMCE atua com mais frequência, como na Praia do Futuro. Nessas áreas, os bombeiros mantêm contato regular com os surfistas, inclusive promovendo reciclagens.

“Às vezes, durante um resgate, o bombeiro pergunta: ‘Tu já fez o curso Surf Salva?’. Se não, já faz o convite, pega os dados e inclui na próxima turma”, conta o major.

Instrutor de surf e bombeiro civil, César Silva, 41, atua com crianças e adolescentes da periferia em projetos sociais na orla de Fortaleza. Para ele, a chegada do Surf Salva Vidas às comunidades impactou diretamente a segurança e a autoestima dos jovens:

“Quando o Corpo de Bombeiros trouxe o curso para dentro das escolinhas, foi muito gratificante. Passamos a saber como abordar uma vítima no mar ou socorrer um engasgamento em terra. Isso aumentou nossa confiança e capacidade de agir em situações reais.”

O instrutor ainda destaca o impacto social do curso na empregabilidade e acomulo de conhecimento dos jovens: “Muitos que fizeram a formação hoje trabalham em clubes, barracas de praia ou como instrutores de surf. O curso não só salva vidas, ele também transforma. Já vi alunos salvarem os próprios pais de engasgamento com o que aprenderam. É um conhecimento que leva dignidade e oportunidade para a comunidade.”

Outro participante que também destaca os benefícios do programa é o bombeiro civíl, José David de 44 anos, morador da praia da Caponga, em Cascavel. Ele conheceu o Surf Salva Vidas ainda nos anos 2000, quando fazia parte do quadro de guarda-vidas do município e foi convidado a participar de uma turma na praia do Mucuripe em Fortaleza. Alí ele conheceu o major Chailon e participou de outras edições, indicando inclusive alguns amigos.

"Vi o quanto esse conhecimento faz diferença. Antes, muitos surfistas resgatavam vítimas, mas não sabiam o que fazer depois. Já vi pessoas morrerem na areia por falta de procedimentos corretos”, relata.

David destaca que o curso trouxe benefícios reais para a comunidade, relembrando até um caso inusitado que aconteceu pouco tempo depois do curso ser concluído:

"Uma semana após uma turma ter sido capacitada aqui na Caponga, houve um resgate e os próprios surfistas salvaram a vítima com todos os protocolos certos: imobilização, posição lateral... tudo. [...] Além de salvar vidas, o projeto abre portas. Um amigo, que fez o curso comigo, hoje está na Força Nacional, em Brasília. Esse conhecimento transforma realidades, dentro e fora da água.”

Neste domingo, dia 13, confira detalhes sobre o Surf Salva Vidas em Dois Dedos de Prosa com o coronel Ronald Aguiar, idealizador do projeto, que relembra o surgimento do projeto, os primeiros desafios, e reflete sobre o impacto da iniciativa que mudou a relação entre surfistas e sociedade cearense. Disponível no jornal impresso e no O POVO +.