Surf Salva Vidas: 30 anos de parceria e segurança no mar cearense
Em três decadas de atuação, já foram formados mais 6 mil surfistas que hoje atuam como agentes de segurança aquática
13:34 | Jul. 12, 2025
O projeto Surf Salva Vidas é a mais antiga iniciativa do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) voltada ao salvamento aquático no Estado.
Criado em 1995 como um projeto-piloto pelo então aspirante ao Corpo de Bombeiros Ronald Aguiar, tornou-se permanente em 1998, sob o comando do então 2º tenente Cláudio Barreto, hoje coronel e atual comandante-geral do CBMCE. Barreto também é surfista e esteve à frente das atividades por mais de 20 anos.
CONFIRA | Cearenses na elite do surfe
A proposta do programa é capacitar surfistas para atuarem como colaboradores no resgate de vítimas de afogamento nas praias do litoral cearense. O curso teórico e prático, oferece aulas sobre técnicas de resgate com pranchas, identificação do grau de afogamento e aplicação de primeiros socorros.
Hoje, sob a coordenação do major Chailon Fonteles, o projeto forma mensalmente novas turmas em diversas regiões do litoral. Já são mais de 6 mil surfistas capacitados ao longo dessas três décadas.
“Os surfistas são os primeiros a chegarem na praia — inclusive antes do Corpo de Bombeiros e dos guarda-vidas — e são os últimos a saírem. Estão em contato direto com o mar, muitas vezes se deparando com situações reais de ocorrência”, explica o major Chailon.
O treinamento
Realizado em três manhãs consecutivas, o curso oferece aos surfistas técnicas eficazes de prevenção e resgate, sempre priorizando a segurança do próprio socorrista. Ao fim do curso, os participantes recebem um certificado chancelado pelo CBMCE.
No primeiro dia, os alunos aprendem primeiros socorros, incluindo a ressuscitação cardiopulmonar, utilizando bonecos de treinamento. Também são ensinados a identificar os seis graus de afogamento.
No segundo dia, já no mar, os alunos praticam o uso da prancha como equipamento de flutuação, aprendem as técnicas corretas de retirada da vítima da água e transporte até a areia.
Já o terceiro dia é reservado para um simulado completo, onde os participantes aplicam o conhecimento adquirido desde o resgate até os procedimentos de estabilização da vítima enquanto aguardam o socorro especializado.
Além dos surfistas, o projeto hoje inclui também praticantes de kitesurf, stand-up paddle, canoa havaiana e nadadores em mar aberto.
“Nos últimos anos, o projeto se ampliou muito. Hoje temos buscado capacitar atletas de outras modalidades aquáticas que também estão em contato direto com o mar e podem fazer a diferença até a chegada do socorro", afirma o major.
A força da comunidade
De acordo com Chailon, a receptividade da comunidade do surf tem sido espontânea e intensa. As formações acontecem por meio de parcerias com escolinhas de surf locais, que mobilizam os participantes.
"A gente entra em contato com as lideranças locais, eles formam a turma e nós vamos até lá ministrar o curso", explica.
O projeto também tem um papel social importante. Muitos jovens, após participarem das capacitações, buscam seguir carreira na área de segurança pública. Além disso, são orientados sobre educação ambiental e preservação do litoral cearense.
“Eles entendem que não é só chegar, surfar e ir embora. Têm um papel também na conservação do ambiente onde vivem. Recolher lixo, orientar os banhistas, contribuir com a segurança”, afirma.
Resultados
Segundo o major, embora não exista uma estatística precisa sobre o número de salvamentos realizados por surfistas capacitados, o impacto é evidente. Só na Praia do Futuro, onde o CBMCE atua diariamente, são mais de 500 resgates por ano — muitos deles com a participação direta dos surfistas.
“Muitos pontos da praia não têm posto fixo de bombeiros. E nesses locais, o surfista é quem realiza o resgate. Quando nossa equipe chega, a vítima já está fora da água, graças a esses voluntários”.
O projeto, que inicialmente atendia apenas o litoral, também foi adaptado para o interior do estado, com formações voltadas para locais com rios, açudes e lagos, onde também há alto risco de afogamentos.
Evolução do projeto
Para o major Chailon, o Surf Salva Vidas evoluiu significativamente. No início, era preciso convencer os surfistas a participarem. Hoje, são eles que procuram o CBMCE. “Tem mês que temos até quatro turmas pedindo o curso”.
Ele também destaca que, hoje, o público é mais diverso e mais preparado intelectualmente, o que permite a aplicação de protocolos mais avançados. A preocupação com o meio ambiente também tem crescido entre os participantes.
Acompanhamento pós-curso e reciclagem
O acompanhamento é feito principalmente por meio das escolinhas parceiras e nos locais onde o CBMCE atua com mais frequência, como na Praia do Futuro. Nessas áreas, os bombeiros mantêm contato regular com os surfistas, inclusive promovendo reciclagens.
“Às vezes, durante um resgate, o bombeiro pergunta: ‘Tu já fez o curso Surf Salva?’. Se não, já faz o convite, pega os dados e inclui na próxima turma”, conta o major.
Instrutor de surf e bombeiro civil, César Silva, 41, atua com crianças e adolescentes da periferia em projetos sociais na orla de Fortaleza. Para ele, a chegada do Surf Salva Vidas às comunidades impactou diretamente a segurança e a autoestima dos jovens:
“Quando o Corpo de Bombeiros trouxe o curso para dentro das escolinhas, foi muito gratificante. Passamos a saber como abordar uma vítima no mar ou socorrer um engasgamento em terra. Isso aumentou nossa confiança e capacidade de agir em situações reais.”
O instrutor ainda destaca o impacto social do curso na empregabilidade e acomulo de conhecimento dos jovens: “Muitos que fizeram a formação hoje trabalham em clubes, barracas de praia ou como instrutores de surf. O curso não só salva vidas, ele também transforma. Já vi alunos salvarem os próprios pais de engasgamento com o que aprenderam. É um conhecimento que leva dignidade e oportunidade para a comunidade.”
Outro participante que também destaca os benefícios do programa é o bombeiro civíl, José David de 44 anos, morador da praia da Caponga, em Cascavel. Ele conheceu o Surf Salva Vidas ainda nos anos 2000, quando fazia parte do quadro de guarda-vidas do município e foi convidado a participar de uma turma na praia do Mucuripe em Fortaleza. Alí ele conheceu o major Chailon e participou de outras edições, indicando inclusive alguns amigos.
"Vi o quanto esse conhecimento faz diferença. Antes, muitos surfistas resgatavam vítimas, mas não sabiam o que fazer depois. Já vi pessoas morrerem na areia por falta de procedimentos corretos”, relata.
David destaca que o curso trouxe benefícios reais para a comunidade, relembrando até um caso inusitado que aconteceu pouco tempo depois do curso ser concluído:
"Uma semana após uma turma ter sido capacitada aqui na Caponga, houve um resgate e os próprios surfistas salvaram a vítima com todos os protocolos certos: imobilização, posição lateral... tudo. [...] Além de salvar vidas, o projeto abre portas. Um amigo, que fez o curso comigo, hoje está na Força Nacional, em Brasília. Esse conhecimento transforma realidades, dentro e fora da água.”
Neste domingo, dia 13, confira detalhes sobre o Surf Salva Vidas em Dois Dedos de Prosa com o coronel Ronald Aguiar, idealizador do projeto, que relembra o surgimento do projeto, os primeiros desafios, e reflete sobre o impacto da iniciativa que mudou a relação entre surfistas e sociedade cearense. Disponível no jornal impresso e no O POVO +.