Folha de quebra-pedra dará origem ao 1º fitoterápico industrializado do SUS

Com investimento de R$ 2,4 milhões, medicamento à base de quebra-pedra está sendo desenvolvido pela Fiocruz e deve chegar ao SUS após aprovação da Anvisa

19:57 | Dez. 21, 2025

Por: Victor Marvyo
Brasil terá fitoterápico inovador com quebra-pedra (foto: Divulgação)

Os saberes tradicionais de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares sobre o uso de plantas medicinais estão dando origem a um avanço inédito na saúde pública brasileira. Em cerca de seis meses, o País deverá ter o primeiro fitoterápico industrializado desenvolvido a partir da planta Phyllanthus niruri, conhecida popularmente como quebra-pedra, tradicionalmente utilizada no auxílio ao tratamento de distúrbios urinários.

A iniciativa é pioneira por colocar o conhecimento tradicional associado no centro do processo de inovação científica, respeitando a legislação que regula o acesso a esses saberes e garantindo a repartição justa de benefícios. O medicamento será desenvolvido para futura disponibilização no Sistema Único de Saúde (SUS).

Parceria institucional viabiliza medicamento para o SUS

Para viabilizar o produto e cumprir as exigências regulatórias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi firmada uma parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz).

Além disso, um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) foi assinado entre Farmanguinhos e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), com o objetivo de estimular pesquisas e o desenvolvimento de novos fitoterápicos a partir da biodiversidade brasileira.

Segundo a secretária nacional de Bioeconomia do MMA, Carina Pimenta, o acordo inaugura um novo paradigma de inovação ao reconhecer o conhecimento tradicional como tecnologia.

“Quando o conhecimento tradicional associado é tratado como tecnologia, com consentimento prévio e informado e repartição de benefícios, a inovação ganha propósito. Essa parceria viabiliza o primeiro fitoterápico de um laboratório público em conformidade com as normas da Anvisa para o SUS, abrindo caminho para novos medicamentos que integrem ciência, território e saúde pública”, afirma.

Investimento fortalece cadeia produtiva da biodiversidade

O conjunto de ações envolve um investimento de R$ 2,4 milhões, destinados à adequação de maquinário, compra de equipamentos e insumos, contratação de serviços, visitas técnicas e estudos laboratoriais. Os recursos são provenientes do projeto Fitoterápicos, implementado pelo Pnud com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e coordenação técnica do MMA.

Para a vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Priscila Ferraz, o acordo representa um avanço significativo no tratamento de distúrbios urinários. “Nosso objetivo é assegurar à população brasileira acesso seguro a fitoterápicos, contribuindo para a resolução de problemas de saúde pública, ao mesmo tempo em que promovemos o uso sustentável da biodiversidade e o fortalecimento da indústria nacional”, destaca.

A diretora de Farmanguinhos/Fiocruz, Silvia Santos, ressalta que as parcerias são estratégicas para transformar pesquisas com plantas medicinais em medicamentos disponíveis no SUS. “Atuamos de forma sustentável para garantir produtos com qualidade, eficácia e segurança, fortalecendo a saúde pública brasileira”, afirma.

Além de ampliar o acesso a medicamentos no SUS, o acordo também fortalece a cadeia produtiva nacional, ao incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico baseado na flora brasileira e nos saberes tradicionais. Segundo o assessor técnico do Pnud, Gabriel Fávero, a iniciativa abre precedentes para novos acordos de repartição de benefícios entre a indústria farmacêutica e organizações de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares. “Essas populações atuam como guardiãs do patrimônio genético nacional”, pontua.

Da pesquisa à Anvisa: caminho até chegar ao SUS

Responsável pelos estudos com a planta, a pesquisadora de Farmanguinhos/Fiocruz, Maria Behrens, explica que o fitoterápico será inovador por atuar em diferentes etapas da litíase urinária, condição caracterizada pela formação de cálculos no trato urinário. “Não há atualmente no mercado um medicamento que atue de forma abrangente nessas fases”, observa.

Segundo Behrens, a padronização industrial do produto traz mais segurança à população. “O fitoterápico farmacêutico evita os riscos das preparações caseiras sem controle, como troca de espécies, adulterações ou baixo teor de princípios ativos, que podem comprometer a eficácia ou causar efeitos indesejados”, explica.

Após a produção dos lotes-piloto, serão realizados estudos de estabilidade para submissão à Anvisa. A expectativa é que o fornecimento ao SUS ocorra em até dois anos. “Esperamos impulsionar toda a cadeia produtiva, desde a produção sustentável da matéria-prima até o produto final, em conformidade com a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos”, conclui a pesquisadora.