Conheça Juliano Moreira, o psiquiatra negro que revolucionou o tratamento de pessoas com transtornos mentais

Além de combater as teses racistas da ciência da época, Moreira adotou medidas para humanizar os hospícios e tratamentos de pacientes com doenças nervosas e mentais

19:34 | Jan. 06, 2021

Por: Redação O POVO
Com apenas 13 anos, Moreira ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Com 18, estava formado. Cinco anos depois, virou professor da instituição (foto: Reprodução/Wikicommons)

Juliano Moreira nasceu negro na cidade mais negra do Brasil, Salvador. Em 1872, ano de seu nascimento, quase 60% da população se autodeclarava preta ou parda, conforme o censo populacional realizado à época. No entanto, quando ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, na década seguinte, não foi esta a configuração racial que Juliano Moreira encontrou entre os colegas de classe, predominantemente brancos.

A despeito do racismo institucionalizado e amparado por teses científicas da época, Juliano concluiu o curso de medicina e “no início do século 20, revolucionou o tratamento de pessoas com transtornos mentais no Brasil e lutou incansavelmente para combater o racismo científico e a falsa ligação de doença mental à cor da pele", conforme descreve o Google em doodle de homenagem ao médico nesta quarta-feira, 6, quando completam 149 anos do seu nascimento.



Em 1872, havia mais de 1,5 milhão de negros escravizados no Brasil, que, àquela altura, tinha pouco mais de 10 milhões de habitantes. Algumas fontes apontam a própria mãe de Moreira como escravizada ou descendente de escravizados. Ela trabalhava como empregada doméstica na casa do Barão de Itapuã, médico obstetra que chegou a dirigir a Faculdade de Medicina da Bahia, a gênese do que hoje é a Universidade Federal da Bahia. O filho acompanhava a mãe no trabalho e, por ali, o brilhantismo de Moreira, ainda criança, chamou a atenção do aristocrata, segundo a Academia Brasileira de Ciências (ABC).

De fato, a precocidade do gênio de Moreira seria confirmada logo mais e reafirmada outras vezes ao longo dos anos. Aos 13 anos, em 1886 - dois anos antes da abolição da escravatura no país -, ele ingressou na Faculdade de Medicina. Graduou-se em 1891 com uma tese sobre sífilis; foi um dos primeiros médicos negros do Brasil. Cinco anos mais tarde já era professor da instituição.

Como docente, foi pioneiro ao incorporar no ensino da medicina teorias de pensadores germânicos com Emil Kraepelin, pai da psiquiatria contemporânea, com quem Moreira trocava cartas. Ao longo de sua carreira, Moreira lutou não só contra as teses racistas que defendiam a superioridade de grupos étnicos, como precisou com uma das teses mais difundidas entre os médicos psiquiatras do período - a de que a miscigenação brasileira era um dos principais vetores dos transtornos mentais no país. 

Seu posicionamento era minoritário entre os médicos. Assim como sua resistência ao pressuposto de que existiam transtornos mentais exclusivos de quem morava em regiões de clima tropical. Para Moreira, o combate à “degeneração mental” era, na verdade, o combate ao alcoolismo, às verminoses e às más condições sanitárias e educacionais da população em geral. Conforme o Brazilian Journal of Psychiatry, o trabalho de higienização mental não deveria ser afetado por "ridículos preconceitos de cores ou castas", nas palavras do médico.

Juliano Moreira atuou no processo de humanização do tratamento de pacientes psiquiátricos. Entre 1903 a 1930, quando foi diretor do Hospício Nacional de Alienados - a primeira instituição do tipo no Brasil e segunda da América, fundada em 1852 no Rio de Janeiro -, ordenou a abolição das camisas de força, a retirada das grades das janelas e a separação de adultos e crianças em alas distintas.

Nesta época, auxiliou na criação do Serviço de Assistência aos Alienados (termo pelo qual eram conhecidos os pacientes com transtornos mentais) e insistiu, junto ao governo federal, na aprovação de uma legislação nacional de assistência a este público - proposta promulgada em 1903.

Ao longo da carreira, publicou diversos estudos sobre sífilis, dermatologia, infectologia e doenças nervosas e mentais. Fundou, com outros médicos, três periódicos dedicados à divulgação científica. Representou o Brasil em diversos congressos no exterior, da Europa ao Japão. Foi um dos fundadores, em 1907, da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal.

Também fundou, com outros profissionais da área, a Academia Brasileira de Ciências, em 1916. Em 1925, quando era vice-presidente da instituição, recebeu físico alemão Albert Einstein em sua primeira visita ao Brasil. Entre 1926 e 1929, Juliano Moreira foi eleito presidente da Academia. Morreu aos 61 anos de tuberculose em Petrópolis, em 1933, três anos após deixar a direção do hospício nacional por ordem de Getúlio Vargas.

Hoje lembrado como um dos maiores nomes da psiquiatria brasileira, Juliano Moreira também não foi esquecido na sua terra natal. Em Salvador, emprestou seu nome ao Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira. Na cidade onde viveu grande parte da sua vida, o Rio de Janeiro, a Colônia Juliana Moreira, uma espécie de vila-hospital criada na primeira metade do século XX para abrigar "alienados", deu origem a um bairro no entorno, que leva o nome do médico baiano.