Autoestima e saúde: a importância de dermatologistas especializados em peles negras

Peles negras demandam cuidados diferentes das brancas, mas o Brasil só tem uma pessoa especializada na área

13:32 | Jul. 07, 2020

A dermatologista Katleen Conceição é a única especialista brasileira em peles negras, razão pela qual é a responsável pela pele de vários famosos, como Lázaro Ramos e Preta Gil. (foto: Divulgação/Thiago Bruno)

A população do Brasil é 56,2% negra, somando quase 118 milhões de brasileiros que se autodeclaram como pretos ou pardos ao olhar, principalmente, para a cor da própria pele. No entanto, essa mesma pele parece ser sistematicamente invisibilizada pela dermatologia, área da saúde que cuida da pele, cabelos e unhas.

Reflexo disto é que existe apenas uma dermatologista especializada em peles negras no País. A doutora Katleen Conceição ainda reforça: “Com cursos nos EUA [Estados Unidos da América]”. Afinal, o Brasil majoritariamente negro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda é branco demais quando o assunto é saúde e autoestima.

“O que observo é que há 18 anos iniciei o pioneirismo de somente estudar doenças da pele negra e agora estão surgindo dermatologistas negros, mas não especialistas ainda”, comenta Katleen, também chefe do setor pioneiro de dermatologia para pele negra do grupo Paula Belotti, no Rio de Janeiro (RJ). Em entrevista ao O POVO, ela explica que a pele negra é mais delicada e tende a desenvolver com mais facilidade algumas doenças dermatológicas, principalmente pela maior concentração de melanina.

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O laser, por exemplo, tão comum em propagandas de procedimentos estéticos, deve ser menos intenso em peles negras. Como a melanina (proteína responsável pela pigmentação) retém calor com facilidade, a intensidade do laser comumente utilizada em peles brancas pode queimar peles pretas.

De acordo com a dra Katleen, o uso inadequado dessa tecnologia é um dos principais erros que os dermatologistas cometem quando vão tratar pessoas negras. O outro é a não recomendação de protetores solares adequados - a ideia de que peles negras não queimam com facilidade é um mito dos grandes.

A especialista relembra dos dias de estudante, quando testava o laser na própria pele. Na época, os materiais didáticos não abordavam as singularidades negras e sequer tinham imagens de pessoas não brancas. Infelizmente, quase duas décadas depois, ela pondera que a situação permanece a mesma.

Autoestima

Importante ressaltar que o tratamento da pele vai muito além da saúde física. O rosto e o corpo são a primeira impressão que se dá ao mundo, e é essencial sentir-se confortável com eles. Para Katleen, a especialização em peles negras também é uma forma de empoderamento negro.

A autoestima na pele negra normalmente não é estimulada em nossos meios, que não costumam nos representar. Até não nos colocarem como beleza de referência, é preciso trabalhar a autoestima das pessoas de pele negra. Isso é muito importante para elas se empoderarem, ocuparem os espaços e ‘brigarem’ com a desigualdade e com o racismo”, reforça a especialista.

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Ceará e Fortaleza

A secretária geral da Sociedade Brasileira de Dermatologia no Ceará (SBD-CE), Janaína Bezerra, confirma: faltam especialistas em peles negras no Estado. Segundo ela, a população negra cearense ainda não procura massivamente consultórios dermatológicos: “Talvez por isso ainda não tenhamos especialistas voltados”, cogita.

Segundo o IBGE, a população cearense também é majoritariamente negra (soma dos que se declaram pretos ou pardos), representando um total de 71% cearenses. Especificamente em Fortaleza, são 68,21% negros, dos quais 254 mil se autodeclararam pretos e 2.431 milhões, pardos.

Janaína explica que a Capital possui dois serviços de referência em dermatologia. São eles o Hospital Universitário Walter Cantídio e o Centro de Dermatologia Dona Libânia, focados no tratamento de doenças de pele. Por outro lado, não existem clínicas de atendimento público focadas no tratamento estético. “Infelizmente, a população negra aqui no Nordeste tem renda mais baixa. Nem todos têm acesso ao médico, nem ao dermatologista. Ainda é um campo muito vasto para se explorar”, comenta a especialista.

Enquanto a dermatologia cearense e brasileira engatinha em pleno 2020 para incluir peles negras em livros didáticos e especializações, os profissionais apoiam-se em protocolos. “Os próprios aparelhos já vem ajustados com parâmetros mais adequados para uso em peles negras”, afirma a secretária geral da SBD-CE. “A tecnologia também está avançando nesse ponto. Antes as máquinas com esses parâmetros não existiam.”