Cearense que cumpriu pena pelo sequestro de Abílio Diniz nega participação de Carioca

10:25 | Nov. 07, 2018

O POVO – O Carioca participou do sequestro de Abílio Diniz?
Rosélio – Não, com certeza não. Eu fui um dos envolvidos na operação Carmelo desde o exterior. E com certeza só havia eu de brasileiro. Com certeza. Embora fossem dados compartimentados, secretos, na operação. Até pelos levantamentos que fiz para o meu livro Pão de Fel, não existe essa possibilidade. 
 

OP – Carioca diz ter sido ele o designado pelo grupo para ir buscar o pagamento do resgate, 5 milhões de dólares, na rodovia Raposo Tavares. Vocês receberam resgate?
Rosélio – Nosso resgate era em torno de 40 milhões de dólares e foram 40 milhões de peia. Não recebemos nada, só peia, peia, peia. Inclusive nunca ouvi falar dessa informação da Raposo Tavares. 

OP – Ele disse que foi militar e acabou expulso da Aeronáutica. E que o grupo teria recebido munições que ele desviava do paiol. Isso chegou a acontecer?
Rosélio – Não, não. Nossa munição, tanto como o armamento, vieram da fronteira, pelo Chile.  Vieram de países da América do Sul. Não havia nenhum envolvimento nosso com pessoas aqui do Brasil. Posso afirmar isso com certeza porque as estruturas na guerrilha eram compartimentadas, estritamente secretas entre um e outro. Quando encontrei o grupo que estava com essas armas, elas estavam vindo do Chile ou da Argentina. De fora. Nada foi conseguido no Brasil. Nada do sequestro do Abílio Diniz foi envolvido no Brasil.

OP – De brasileiro, fora você, não houve ninguém?
Rosélio – Não, com certeza não. Inclusive, nem nos processos ou na literatura teve algum outro brasileiro envolvido. 

OP – Em informações da época, a investigação chegou a apontar que teriam sido 25 pessoas envolvidas. Além dos dez réus teve mais gente não denunciada?
Rosélio – A grande maioria conseguiu fugir. Digamos que os pobres dez coitados que foram indiciados e cumpriram pena são uma minoria. Não tinha a menor possibilidade de montar uma operação daquele porte só com aquelas dez pessoas. 

OP – E foram quantos, na verdade?
Rosélio – Essa operação pode ter contado com pelo menos 30 pessoas que estavam no Brasil, que saíram fora de imediato. Mas, em relação à logística, não podia ter menos de 50 pessoas nos bastidores. 

OP – Você conheceu o Carioca no seu tempo de cadeia?
Rosélio – É possível que tenhamos nos conhecido no IPPOO 2, mas já não me lembro.

OP – No Carandiru, não?
Rosélio – No Carandiru não tem a menor possibilidade. Eu fiquei no Carandiru do final de 1989 até por uma década. Lá, tenho absoluta certeza que não foi. Até porque é uma figura conhecida. Não tem porque você não lembrar. Lembro de todas essas pessoas que aparecem na mídia. Do PCC, do Marcola, de todos os outros líderes que estive com eles. O Carioca conheci pela imprensa. Imagino que, se houve essa possibilidade, foi no IPPOO 2. Estive lá, estive na colônia do Amanari. Não descarto a possibilidade porque era uma figura emblemática do crime cearense. Passei muitos anos dando aula nos presídios, pela Secretaria da Educação do Estado.

OP – Carioca foi seu aluno?
Rosélio – Não me lembro. Já não tenho essa informação precisa. Pode ter sido no IPPOO 2 porque fiquei lá por quatro anos.

OP – Você cumpriu quantos anos em São Paulo e quantos no Ceará?
Rosélio – Foram dez anos em São Paulo e quatro anos no IPPOO 2. E no Amanari era só pra dormir. Lembro do nome Carioca. Conheci tanta gente que dizer exatamente... O que posso dizer é que essa ação que participei foi fora de qualquer grupo marginal. Não havia a menor possibilidade de ter se estabelecido uma relação horizontal com esses grupos. A guerrilha tinha seus métodos, era isolada. Do dinheiro que financiou aquela operação do Abílio Diniz, nenhum centavo veio do Brasil. Veio tudo do exterior. Não tinha possibilidade de estarmos envolvidos com grupos daqui porque colocava em segurança a ação, risco de vazamento. É natural que no submundo as pessoas que são famosas, de outras pegarem o embalo. Dizer que conheciam...

OP - A Força Aérea respondeu que não há registros do Carioca como ex-militar.
Rosélio – Você conversou pessoalmente com ele? Ele está preso onde?

OP – Conversei. Ele está preso no IPPOO 2. 

OP – No sequestro, vocês encobriam o rosto com balaclava?
Rosélio –Só eu falava português. Eu era o cara mais bem protegido porque só eu tinha o idioma português. Eu falava espanhol. Nós não mostrávamos o rosto, isso é um fato. Mas não tem a menor possibilidade. Pode mergulhar na literatura de movimentos guerrilheiros, que nunca nem foi ventilado... Quem foi envolvido nesse sequestro foi caçado a dedo pelo Serviço de Informação. Tanto Polícia Federal como serviços de inteligência no Brasil. Certamente, se esse camarada estivesse, ele teria sido envolvido em alguma coisa. Aquela operação do sequestro levou dois anos. Foram dois anos que participei daquilo. Tem certas informações que até hoje eu desconheço. Nos grupos de cultura marginal, eles falam muito. Quando o aparato repressivo vem, que a Polícia pega o primeiro e tortura, eles acabam entregando os outros. Nós éramos compartimentados. Desde quando saí da Nicarágua, passei por Cuba, por outros países até chegar aqui, não sabia nome de ninguém, não sabia o que ia fazer. Só soube do sequestro um dia antes. Não sabia nem qual era o nome do cara. Só vim saber que era o Abílio Diniz na hora, quando olhei pra cara dele. “Puta merda, esse cara aí é o Abílio Diniz, eu conheço”. O nome dele era “Senhor Carmelo”. Você sabe desse código?

OP – Sim, faz referência a caramelo e é açúcar em espanhol.
Rosélio – Isso. Na época, me lembro que os serviços de inteligência ventilaram a possibilidade de que haveria uma outra brasileira além de mim. Essa mulher foi caçada como se procura uma agulha no palheiro. Nunca encontraram essa mulher, que não existia. Posso falar com propriedade porque vivi aquilo 24 horas por dia.

OP – Por que foi você o escolhido?
Rosélio – Pela questão idiomática e porque eu era um homem de frente. Estava na guerrilha, lutei na linha de batalha. Até chegar ali você tinha que ter um currículo. E eu tinha esse currículo. 

OP – No dia seguinte ao sequestro de dom Aloísio, na edição do dia 16/3/1994, uma linha de uma matéria do O POVO citou o Carioca como envolvido pelo sequestro de Abílio Diniz. O grupo ainda estava em fuga. Mas essa informação acabou nunca sendo aprofundada.
Rosélio – Esse dado até eu desconhecia. Eu tinha muito material, muito jornal. 

OP – Já pagou toda a pena?
Rosélio – Paguei. O problema é que hoje a pena que carrego é um preço muito alto. Ainda hoje sou um professor temporário, desempregado, passei numa seleção de Fortaleza, mas tô sem trabalhar.