A pressa que mata: as consequências do excesso de velocidade no trânsito

Alta velocidade e a vulnerabilidade sobre duas rodas são fatores que mais contribuem para a alta taxa de mortalidade nas pistas cearenses. Desigualdade geográfica e perfil epidemiológico específico marcam letalidade no Estado

06:00 | Dez. 31, 2025

Por: Lucas Casemiro
No Ceará, os acidentes de transporte são a 2ª maior causa de mortes por causas externas, atrás apenas dos homicídios (foto: Samuel Setúbal)

Quando o estudante Samuel Nobre, 21, utilizava uma moto por aplicativo em um trajeto que fazia com frequência, sofreu um acidente. Durante a corrida, em setembro deste ano, o motociclista desviou a atenção para o celular, perdeu o controle da moto e colidiu lateralmente com um carro estacionado em frente a uma escola, em Pacatuba.

O jovem foi o mais ferido. Escoriações no lado direito do corpo, quatro pontos no joelho e lesões no calcanhar o deixaram cerca de duas semanas sem conseguir andar normalmente. A experiência de Samuel reflete uma realidade mais ampla do trânsito brasileiro, marcada por comportamentos de risco e por condições estruturais que ampliam a gravidade dos sinistros.

Sinistro de trânsito é um acontecimento evitável que gera consequências no trânsito e pode ser prevenido com comportamento seguro, fiscalização e políticas públicas.

De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE), a infração “transitar em velocidade superior à máxima permitida em até 20%” ocupa o primeiro lugar no ranking das mais cometidas em 2025, considerando o período de janeiro a novembro. O excesso de velocidade é apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como responsável por uma em cada quatro mortes no trânsito e é o principal fator que agrava a letalidade dos sinistros.

No Ceará, os acidentes de transporte são a 2ª maior causa de mortes por causas externas, atrás apenas dos homicídios. Eles representam 25% de todas essas mortes no Estado, que enfrenta um cenário crítico de segurança viária. Os dados são do boletim “Mortalidade por Acidentes de Transporte no Estado do Ceará, 2009-2023”, elaborado pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA) com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/DATASUS).

O excesso de velocidade no trânsito funciona como um multiplicador de tragédias: é como tentar equilibrar-se em uma corda bamba que, quanto mais rápido você corre, mais fina e instável ela se torna, transformando qualquer erro mínimo em uma queda fatal.

 

Perfil das vítimas

O perfil epidemiológico das vítimas do trânsito cearense entre 2009 e 2013 revela que 85,6% são homens, com maior incidência na faixa etária de 20 a 39 anos, motociclistas e pedestres. O dado se repete em todos os tipos de acidentes analisados.

“Os vulneráveis no trânsito são o motociclista, o ciclista e o pedestre. Por não estarem protegidos por uma carenagem como os condutores de automóveis, são os que mais sofrem o impacto no sinistro de trânsito. Quanto maior a velocidade, maior a violência desse impacto. Também a velocidade causa uma maior distância da frenagem do veículo. Quanto mais rápido ele estiver circulando, menor vai ser o tempo e a distância para a frenagem”, explica Jorge Trindade, diretor de educação para o trânsito do Detran-CE.

O caso é tão grave que o lema "Desacelere. Seu bem maior é a vida" é o slogan oficial das campanhas de trânsito brasileiras em 2025, promovido pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) para conscientizar sobre a redução da velocidade. “A busca do acalmamento no trânsito é um fator predominante para que nós possamos reduzir o número de mortes de lesões graves em decorrência do sinistro de trânsito”, reforça Jorge.

 

Desigualdade

O estudo “Mortalidade no Trânsito, Desenvolvimento Econômico e Desigualdades Regionais no Brasil”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), evidencia que as mortes no trânsito se distribuem de forma desigual no País e estão diretamente associadas ao nível de desenvolvimento econômico das regiões.

De acordo com a análise, o aumento da renda per capita amplia a demanda por transporte e o volume de deslocamentos, o que se reflete em maiores taxas de mortalidade no trânsito. Por outro lado, em estados com menor renda, melhorias viárias isoladas (especialmente quando limitadas ao recapeamento) também se associam ao crescimento das mortes.

Isso ocorre porque esse tipo de intervenção tende a elevar a velocidade média dos veículos e a intensidade dos impactos, aumentando a letalidade dos sinistros.

Assim, regiões com menor renda, infraestrutura viária mais precária e acesso limitado a serviços de saúde apresentam taxas de mortalidade mais elevadas, mesmo com menor fluxo de veículos. Melhorias focadas apenas no recapeamento, sem mecanismos de controle de velocidade, elevam a energia dos impactos e o risco de mortes.

No Ceará, áreas mais populosas e economicamente desenvolvidas, como a Região Metropolitana de Fortaleza, concentram maior número absoluto de óbitos, mas registram taxas menores, indicando melhores condições de infraestrutura, fiscalização e acesso rápido aos serviços de urgência. Em contraste, regiões e municípios menos desenvolvidos apresentam taxas mais elevadas, revelando desigualdades no acesso à segurança viária e à resposta em saúde.

Dados do boletim “Mortalidade por Acidentes de Transporte no Estado do Ceará, 2009–2023”, da Secretaria da Saúde do Estado (SESA), reforçam esse cenário. Enquanto Fortaleza registra a menor taxa média (17,7 mortes por 100 mil habitantes), a Região de Saúde Norte apresenta índice de 35,7. Municípios com população entre 25 e 50 mil habitantes enfrentam maiores desafios, com picos de mortalidade associados à menor cobertura de serviços de emergência e infraestrutura preventiva.

Os estudos concluem que a redução das mortes exige intervenções mais abrangentes, incluindo sinalização adequada, iluminação pública, travessias seguras para pedestres, controle de velocidade, reforço da fiscalização e revisão dos limites viários. O aumento do efetivo policial também se mostra eficaz, com potencial de reduzir 3,4 mortes a cada novo policial por mil habitantes.

 

INFRAÇÕES DE TRÂNSITO MAIS COMETIDAS NO CEARÁ

(Janeiro a novembro de 2025)

Excesso de velocidade em até 20% acima do limite
Faixa: acima de 500 mil registros

Não identificação do condutor infrator
Faixa: cerca de 200 mil registros

Registro do veículo não realizado em até 30 dias após transferência
Faixa: cerca de 100 mil registros

Excesso de velocidade entre 20% e 50% acima do limite
Faixa: cerca de 100 mil registros

Veículo não registrado ou não licenciado
Faixa: até 100 mil registros

Avançar o sinal vermelho do semáforo
Faixa: até 50 mil registros

Excesso de velocidade acima de 50% do limite
Faixa: até 20 mil registros

Motocicleta sem capacete de segurança
Faixa: até 20 mil registros

Caminhão em local e horário não permitido pela regulamentação
Faixa: até 20 mil registros

Veículo com defeito no sistema de iluminação ou sinalização
Faixa: até 20 mil registros

Fonte: Detran-CE