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Fartes: um capítulo da história vivo em Sobral

16/06/2019 02:30:08
Mestra da Cultura Maria Rita, de Sobral, guarda o saber na culinária
Mestra da Cultura Maria Rita, de Sobral, guarda o saber na culinária (Foto: SECULT/DIVULGAÇÃO)

Existe um trecho, da famosa carta de Pero Vaz de Caminha, que descreve uma tentativa de interação dos componentes da nau de Pedro Alvares Cabral com os nativos indígenas através da oferta de alimentos estrangeiros. "Deram-lhe de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada; e, se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora". Citação da carta transcrita no livro "Viagem Gastronômica através do Brasil", de Caloca Fernandes (Editora Senac São Paulo).

A autora traz à tona a questão dos "fartéis", ou fartes, que hoje em dia são praticamente desconhecidos pelo brasileiro e que configuram, em dicionários portugueses, como doces que contêm amêndoas ou cremes. E qual não foi sua surpresa ao descobrir em sua expedição ao redor do Brasil versões desses fartes ainda reproduzidos de forma bem semelhante às tradicionais receitas seculares portuguesas. Uma delas foi aqui mesmo, no Ceará, mais precisamente em Sobral, onde a versão dos fartes mantém ainda ingredientes originais, como o gengibre e especiarias típicos das receitas originais, porém com adaptações através da adição de novos insumos como a farinha de mandioca, castanhas de caju e o leite de coco.

Sendo assim, dona Rita de Cássia, titulada Mestra da Cultura Popular tradicional pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, exatamente por guardar este fazer, produz os fartes em Sobral desde 1958, reproduzindo uma receita que ela conta ter herdado de Dona Semírames, uma antiga doceira local que viveu mais de 100 anos sem desconfiar que estava a reproduzir um preparo tão antigo e tradicional que aportou em terras brasileiras juntamente com seus primeiros colonizadores.

Engana-se quem acha que não existe tradição de doçaria no nosso Estado. Existe um anexo, no célebre livro "O açúcar", de Gilberto Freyre, intitulado: "Receitas de Doces e Bolos recolhidas por Sinhá Cearense em subárea do Nordeste".

O livro foi publicado em 1939 pela primeira vez, mas os anexos foram inseridos depois e esta versão é de 2007. Mais uma vez Sobral figura como um oásis em meio ao sertão árido no que diz respeito ao cultivo das receitas e tradições da confeitaria. Essa dicotomia da cultura telúrica versus cosmopolita se refletia diretamente nos cadernos de receitas das famílias tradicionais sobralenses, formando assim um misto de receitas com ingredientes sertanejos e locais, tais como bolos de carimã, milho e batata e, ao mesmo tempo, sabores urbanos e títulos cheios de influências externas tais como em receitas com nomes "inglês", "espanhol", "rei Alberto", que segundo o autor "muito ao gosto do brasileiro menos telúrico", ou seja, daquele mais citadino, que apreciava sabores mais requintados.

 

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Fartes de Sobral
Fartes de Sobral

Fartes de Sobral

Massa

3 xícaras de farinha de mandioca

2 colheres (sopa) de manteiga

1 pitada de sal

1/2 xícara de água morna

Recheio

1/2 kg de açúcar

2 xícaras de água

leite grosso de 1 coco

1/2 kg de farinha de mandioca

250 g de castanha de caju moída

1 colher (sopa) de manteiga

gengibre ralado a gosto

leite de 1 coco grande

2 gemas batidas para pincelar

açúcar cristal para polvilhar

Preparo:

1. Para fazer a massa, coloque a farinha numa tigela. Junte a manteiga, o sal e acrescente a água, aos poucos, até obter uma massa que se solte das mãos. Embrulhe em filme plástico e reserve.

2. Numa panela média, ponha o açúcar e a água e leve ao fogo, mexendo sempre até o açúcar se dissolver. Pare de mexer e deixe ferver até obter uma calda.

3. Tire a panela do fogo e adicione o leite dos dois cocos, a farinha, as castanhas de caju, a manteiga e o gengibre ralado. Leve de volta ao fogo brando, mexendo sempre até a colher, ao abrir caminho pelo creme, deixar um rastro no fundo da panela. Deixe esfriar.

4. Abra a massa com um rolo e recorte círculos com cerca de 10 cm de diâmetro (use um pires de café). Adicione uma pequena porção do creme sobre cada círculo, feche a massa e cole as beiradas com uma pincelada de gemas. Distribua os pasteizinhos na assadeira untada e polvilhada.

5. Leve-os ao forno preaquecido em temperatura quente (200o C) até dourarem levemente (cerca de 15 minutos). Tire do forno e polvilhe-os com açúcar cristal. Sirva-os depois de frios.

O Povo