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Bênção atravessada

01:30 | 02/09/2017

“Fiofó de calango, ouviu falar? Foi a modalidade de conversa que ouvi num ônibus Parangaba/Náutico. Aquilo é lá modo de falar do Divino! Mas, antes de examinar a expressão verbal torta do fariseu em tela, que entra pela traseira do coletivo e pede que alguém lhe franqueie a passagem, conto doutro sujeito que, à moda aquele, é também cheio de nove horas. Adentrou puxando um menino pelas bitacas, chamando ele de “nó cego”. E o bichim golfando frases criadas, no colo do pai:

- Bó, negada! Esmolinha aqui p’apainho! Ou dá ou desce! Em nome de Deuso!!!Estica, irmão!!!

Voltando pastor às avessas do introito desta missiva (escrita à mão na Rodoviária João Tomé), vamos ao fuá que presenciei. Tinha já o pastor de agá cruzado a roleta quando, faminto, observou um estudante chupando agarradamente algo que continha lascas de coco, e disparou esgalamido:

- Amado, em Atos – versículo 1 está escrito: “Que o teu dindim sirva para suavizar a sede dos teus irmãos nos desertos do pecado...” Ou serás tratado como o coqueiro seco da parábola do Mestre!

Ganhou o restinho de dindim do jovem passageiro. A seguir, pediu salva de palmas pra Deus, presente no aluno do IFCE. No exato instante, a tripulação era acrescida da mais linda entre todas as passageiras da cidade: morenaça de endoidar cristão com mil e seis demônios. O pregador, um olho na missa e outro na moça, murmura:

- Pai, afasta de mim essa coisa! Ah, tentação! Vigiai e orai, fila da mãe!...

E mirando fixamente os quartos da beldade fardada, pede encarecidamente:

- Uma salva de palmas para o criador dos animais!

Assina, JAIR DE MORAIS MOURA”

Voto que não elege

O pai desempregado, na sala, folheia publicação religiosa. À certa altura, lê em voz alta, para o filhinho ao lado, trecho que tem tudo a ver com o momento vivido:

- O voto de pobreza nos liberta da avidez do acúmulo, da sede insaciável de ter o mais possível, o melhor e logo, porque encontramos nossa “suficiente riqueza”...

O pivete invocado “urubuserva” tudo, e quer falar. Mas o pai torna à leitura, dirigindo-se ao inteligente garoto:

- O voto de pobreza nos protege contra qualquer tipo de posse. Viva o voto de pobreza!

O menino não aguentou.

- Voto de pobreza é pra quem pode, pai. No teu caso, é voto de liseira!

Os meninos do Antônio

Pense num caba trabalhador! Só um pouco brabo. E aí, segurando as mãozinhas dos gêmeos de 3 anos na calçada de casa, espera o transporte escolar que levará os bichinhos ao educandário. 51 minutos ali plantados, perto das 13 horas, e nada de a kombi chegar. Antônio esculhamba, vocifera, manda o mundo praquele canto.

Até que a vizinha moralista, atordoada com tantos palavrões e gestos obscenos, liga pra polícia. Em cinco o carro chega. Da polícia.

Nesse dia, os meninos do Antônio faltaram.

 

Adriano Nogueira

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