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Senado, e Eunício, ganham com adiamento

2017-10-05 00:00:00

O adiamento da votação sobre Aécio Neves (PSDB) foi uma vitória para o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB). Na noite de segunda-feira, tudo se encaminhava para o assunto ir a votação no dia seguinte. A Casa estava em rota aparentemente incontornável de colisão com o Supremo Tribunal Federal (STF). Na abalroada, pior para a casa legislativa. A questão era vendida como se fosse necessidade de demonstração de altivez dos senadores. Na prática, deliberar sobre assunto que está na pauta do STF para a semana que vem seria afrontar o Judiciário. Além disso, o Senado estava puxando para si uma briga e um desgaste que são de Aécio.


O propósito anunciado era de afirmação, mas a consequência caminhava para deteriorar ainda mais a imagem perante a opinião pública. Ficaria a imagem da defesa corporativa de um acusado de corrupção - em grande parte pelo fato de os demais saberem que podem estar na mesma posição amanhã ou depois.


Eunício trabalhou silenciosamente pelo adiamento. Depois de muitos encontros entre ele e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, coube ao Senado o único gesto concreto até agora para acalmar os ânimos evitar que a crise institucional se tornasse guerra declarada. Verdade que eram os senadores quem mais tinham a perder. Com o recuo, evitou-se o que poderia ser mais uma perda para a imagem do parlamento.


A DERROTA E A FORÇA DE AÉCIO

Obviamente, para Aécio e o PSDB como todo, o adiamento da decisão é uma derrota e tanto. Ainda assim, chama atenção a força do tucano de Minas Gerais. Mesmo tão combalido por denúncias gravíssimas e sem número de delações na Lava Jato, ele consegue fazer uma crise que é dele contaminar todo o partido e, mais que isso, converter-se em problema do Senado inteiro.

Isso não aconteceu nem de longe com Delcídio do Amaral. Ele era líder do governo Dilma Rousseff (PT) e chegou a ser preso. Nem o PT, nem o governo, muito menos o Senado tomaram a crise como deles. Delcídio foi jogado aos leões.


Aécio é personagem de muito mais dimensão política que Delcídio. Mas, o ex-petista não é irrelevante, longe disso. Antes de ser líder de Dilma, ele presidiu a CPI mista dos Correios, que investigou o mensalão. Mesmo assim, Aécio demonstra força muito maior.


FORTE, MAS...

A defesa enfática de Aécio não é consenso no PSDB. Havia alas do partido que defendiam adiar a votação de terça-feira e esperar o STF. A orientação da liderança acabou sendo para não adiar, mesmo assim dois tucanos votaram por esperar o Supremo. Presidente da sigla, Tasso Jereissati (PSDB) não chegou a articular a favor do mineiro, nem discursou em plenário.

Aécio é forte e só por isso mantém algum apoio - que não é pouco. Porém, já não há a disposição de antes dos seus pares de se desgastar por ele, ainda que o entendimento favorável ao tucano se torne salvaguarda para todos. Porém, o ônus tem se tornado pesado demais, mesmo para quem é do mesmo partido.


RELATIVIZAÇÃO DO HORROR

O deputado Ferreira Aragão (PDT) discursava ontem na tribuna da Assembleia Legislativa em defesa de seu projeto que proíbe manifestações artísticas cujo teor seja considerado incentivo ao crime, com alusão a pedofilia, terrorismo ou que atentem contra fé, religião, ordem e paz.

A proposta é bastante ampla e nada específica. Não ficam claros os critérios de julgamento para enquadrar a arte como estímulo aos delitos, quem fará a avaliação. O risco de resvalar para os mais nebulosos anos de censura à arte é enorme.


E nem se disfarça. Em aparte, Doutora Silvana (PMDB) elogiou muito a proposta de Ferreira Aragão. Disse que aquele era o melhor discurso feito por ele na vida. Lá pelas tantas, começou a falar da ditadura militar. Começou dizendo que prefere chamar de regime militar. “Não chamo de ditadura”.


Ela disse compreender os movimentos que pedem intervenção militar, por desejarem o que chamou de “sentimento de ordem”. E atribuiu o saudosismo macabro à “bagunça” que existe hoje.


Muita gente foi presa, torturada, assassinada por causa desse “regime” que trouxe “sentimento de ordem”. Mães foram separadas dos filhos pelo governo. O Estado brasileiro foi usado para assassinar, em nome de combater a “bagunça”. Na Assembleia Legislativa cuja tribuna Silvana hoje ocupa, seis deputados estaduais foram cassados por suas posições políticas.


A ditadura violentou a vontade popular, perseguiu pessoas por suas ideias, suprimiu liberdades, prendeu e matou, matou muita gente. Que a relativização e até defesa do arbítrio encontre eco na representação parlamentar eleita é apenas demonstração da indigência que campeia no meio político. Deus está vendo.

 

Érico Firmo

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