Ameaça, promessa e mentira
O aumento dos impostos sobre combustíveis desnudou o governo Michel Temer (PMDB) do ponto de vista ideológico, da gestão e da relação com a opinião pública. Em outubro do ano passado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, dizia que, caso não fosse aprovada a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto de gastos, haveria aumento de impostos. Em 30 de setembro, Temer falou que não haveria aumento de impostos caso a PEC fosse aprovada. Na semana passada, o aumento de impostos se concretizou. Atingiu os combustíveis, o que se espalha em cadeia afetando os preços de toda a economia.
A ameaça do aumento de impostos foi usada primeiro como ameaça. A PEC do teto de gastos era apresentada como solução. Ele foi aprovada, está em vigor. Entre seus efeitos, o fechamento de farmácias populares, retirada de financiamento para pesquisa científica, cortes nas universidades que atingem apoio a moradia e alimentação para estudantes, redução da fiscalização nas estradas e contra trabalho escravo, além da suspensão da emissão de passaportes. Mesmo assim, não se conseguiu evitar o aumento de impostos.
“A população vai compreender, porque esse é um governo que não mente”, disse Temer sobre o aumento de impostos. Pois sim.
O PORQUÊ DO AUMENTO
Primeiro, o contrassenso: é ridículo, absurdo e inaceitável o aumento de impostos enquanto o governo promove derrama de dinheiro no Congresso Nacional, por meio das emendas parlamentares, para dar sobrevida ao presidente. O velho mecanismo de irrigar de recursos os redutos eleitorais dos parlamentares, com ações das quais possam se favorecer eleitoralmente.A ONG Contas Abertas mostrou que no mês de julho, que ainda nem terminou, o valor liberado em emendas já equivale a todo o primeiro semestre. De janeiro a junho, foram R$ 2,12 bilhões. Em três semanas de julho, R$ 2,11 bilhões.
Diante disso, o aumento de impostos vem para alcançar a meta fiscal. Mesmo com teto de gastos, o governo não conseguiu a pretendida economia. Então, precisa arrecadar mais e faz isso tirando da população, sua única fonte de receita. Uma vez que a projeção da equipe econômica se mostrou furada, não seria mais lógico rever a meta?
Isso não é feito porque a percepção do mercado internacional sobre o Brasil depende de confiança. E isso passa por saber que a regra não será mudada no meio do jogo. É engraçado dizer isso em um País no qual a presidente sofreu impeachment há menos de um ano e no qual o sucessor é alvo de denúncia. Enfim, mas para os mercados internacionais, de onde o Brasil espera que venham investimentos, é importante a sinalização de que as metas estabelecidas serão alcançadas.
Isso é importante mesmo. A quebra de regras pode ter consequências sérias para a economia. O resultado pode ser mais recessão, mais desemprego. Enfim. Porém, não pode ser a todo custo. O impacto do aumento é elevado. E o dos cortes promovidos é drástico. Áreas essenciais são afetadas.
O que me admira em tudo isso é o quanto há receio em dar qualquer sinal que possa despertar desconfiança para o mercado. Mas, em relação às promessas feitas à população, descumpre-se sem muita cerimônia.
DESFAÇATEZ
A velocidade com que o aumento anunciado se fez sentir nos postos de combustível é sintoma do quão predatório é esse mercado. Fica difícil falar em livre concorrência e autoregulamentação nesse cenário.
Quando há redução do preço dos combustíveis, o repasse ao consumidor demora... Postos argumentam que há estoques antigos, comprados a preços mais altos. Porém, quando é para aumentar, aí não tem estoque. O combustível vendido é novinho, recém-saído da refinaria. Uma canalhice só possível pela existência de cartéis.
Na última sexta-feira, na Globonews, uma analista explicava o aumento e um telespectador fez pergunta muito pertinente: por que quando há aumento de combustíveis os preços de todos os produtos ficam mais altos, como os alimentos, mas quando há redução do preço, isso não é repassado para os outros produtos? (Vale para combustíveis e para muito mais: lembram do fim da CPMF?) A analista gaguejou um pouco e disse que não era possível baixar o preço dos produtos comprados quando a tributação estava mais elevada.
Ora, a questão não é baixar o preço daquilo adquirido com tributação mais elevada. Mas, que isso ocorresse ao menos quando chegassem aqueles adquiridos com menos peso de imposto. Em regra, a redução da carga tributária para o consumidor chega sabe quando? Nunca.
Érico Firmo