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A história, esta irônica

2017-04-04 01:30:00
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Érico Firmo

Jornalista, editor-executivo do núcleo de Cotidiano do O POVO

Certa vez ouvi de Ozéas Duarte, ex-militante comunista e importante dirigente petista, que a principal categoria da história não é a luta de classes. Na opinião dele, o fator transistórico que define praticamente todas as relações humanas é a ironia. Ozéas, por óbvio, falava isso com certo tom de ironia. Mas, vez por outra, acho que ele pode ter razão. Observe-se esse julgamento que começa hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ação foi movida pelo PSDB contra a chapa Dilma Rousseff (PT)/Michel Temer (PMDB). Hoje, o principal líder tucano, Fernando Henrique Cardoso, explica sobre o porquê de não ser boa ideia acatar a ação movida pelo próprio partido. De lambuja, o processo acabou resvalando em delação contra Aécio Neves, o presidente do PSDB que apresentou a ação.


O PSDB apresentou a denúncia na época em que Dilma estava no poder. Era uma das trincheiras por meio das quais buscava enfraquecer o governo. Provavelmente, hoje o partido preferiria esquecer o assunto. Duvido da ênfase com a qual defenderá a denúncia que fez. Porém, não ficaria bem deixar isso para lá. O casuísmo ficaria evidente demais.


Do outro lado, o PT terá de defender o mandato de Temer no TSE. A ação é contra a campanha petista, na qual Temer estava como vice. Não dá para o partido incriminar o atual presidente sem comprometer a antecessora. O malabarismo retórico tem sido exercido à exaustão pelos dois lados. O espetáculo é triste, mas ao menos é engraçado.


O JEITINHO

O PSDB moveu ação para derrubar governo adversário e periga acertar na administração aliada. A possível cassação da chapa Dilma/Temer vai provocar um rebuliço político no País, aumentar a bagunça que está aí. Porém, há risco maior. A legitimidade das decisões políticas e jurídicas está sob intenso questionamento e não é sem razão. O pior dos mundos é deixar a decisão com jeito de casuísmo, de julgamento pautado por interesses políticos.
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Por exemplo, a ideia de separar a parte de Dilma e Temer na chapa vai contra toda a jurisprudência da Justiça Eleitoral. Não é processo criminal, no qual as responsabilidades são individualizadas. O que sempre se entendeu é que o abuso de poder econômico viola a vontade do eleitor. Com isso, deturpa o sentido do voto e deve levar á anulação. Nunca houve isso de a Justiça Eleitoral cassar o eleito e deixar o vice no lugar. Talvez estivesse errado até agora e a distinção seja o certo. Porém, vai ficar com todo jeito de arranjo para atender ao interesse de ocasião.


Pior ainda se entenderem que todas as irregularidades estão no lado de Dilma na chapa. Pois, a Lava Jato colheu indicativos vários de dinheiro irregular para a petista e para o peemedebista. Ambos eram sócios num esquema espúrio de financiamento baseado em propinas em troca de serviços públicos. Quem financiou um financiou o outro, parafraseando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


CEARENSE VAI PEDIR VISTAS

O julgamento no TSE deve se arrastar por um bom tempo. Sabe-se que o relator Hermann Benjamin deverá proferir duro voto pela cassação de Dilma e de Temer. E o ministro cearense Napoleão Nunes Maia já disse a colegas que pedirá vistas, independentemente do voto de Benjamin.

CONTINENTE EM CONVULSÃO

A América do Sul mergulhou em momento de instabilidade dos mais problemáticos desde a queda das ditaduras militares. Na Venezuela, um golpe usurpou poderes do Legislativo, aumentou as prerrogativas do presidente Nicolás Maduro e entregou atribuições ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). No Paraguai, a aprovação de projeto de reeleição presidencial levou a protestos nos quais o Congresso foi alvo de incêndio e uma pessoa morreu. No Equador, o candidato governista Lenín Moreno, de esquerda, teve apertada vitória contra o liberal conservador Guilhermo Lasso, ex-banqueiro e membro da Opus Dei. Lasso não reconheceu o resultado e pediu recontagem dos votos.

O quadro é bastante perigoso, sobretudo a considerar que o Brasil - tradicional esteio da estabilidade no subcontinente - também vem de questionável destituição de um presidente. Nas últimas décadas, houve vários momentos de instabilidade, como na vertiginosa troca de presidentes argentinos no começo dos 2000, na derrubada de Fernando Lugo no Paraguai, ou nos golpes e contragolpes havidos na Venezuela. Agora, espanta a simultaneidade de ocorrências.


A diplomacia brasileira está se remontando, com mudança de orientação em relação às últimas décadas e a recentíssima troca de chanceler. No lugar entrou Aloysio Nunes Ferreira, que precisa conciliar a condução do Itamaraty com a resposta às cotações na Lava Jato. Falta autoridade na diplomacia sul-americana para chamar o feito à ordem.

Adriano Nogueira

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