Medo de praia

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00:30 | Out. 22, 2023

Eu não gosto de ir à praia. E sinto um alívio enorme ao fazer essa confissão. Detesto a sensação de areia e água por todos os lados. É agonizante. Tenho medo de ser engolida pela imensidão que é uma praia. São ondas salgadas indo e voltando. Sempre penso que aquele mar todo vai acabar me tragando para alguma imensidão escura. Por isso, não fecho os olhos se estiver na praia.

Sei exatamente em qual ponto começou o medo. Quando criança, apesar de morar em uma cidade com litoral privilegiado, o passeio era muito dificultoso. Faltava tempo, faltava dinheiro. Sempre que meus pais faziam menção à ideia de realizar o programa, o coração dava pulos sobressaltados. Começava a me imaginar no mar, fazendo castelos de areia… Como criança ansiosa e perguntadeira que era, iniciava o festival de questionamentos: quando vamos? Vai ter picolé? É hoje? Pode ser amanhã? É agora?

Mamãe ficava irritada com a repetição. Brava, muito brava. E eu acabei criando uma severa resistência a qualquer ida à beira do mar. Cascavel, município do Litoral Leste onde passei a infância e resido atualmente, conta com cinco praias que merecem reconhecimento internacional: Balbino, Barra Nova, Barra Velha, Águas Belas e Caponga. Mesmo assim, não tem jeito. O ranço é mais forte do que os encantos naturais.

Acho o processo dispendioso. Prepara bolsa, pega toalha, passa protetor, confere o biquini, limpa a terra. É burocratizado. Tenho uma preguiça absurda de todos os procedimentos que envolvem estar na areia e no mar. É muito trâmite para um evento que envolve basicamente água, areia e calor. Veja bem, não estou condenando o passeio e até reconheço que há certo charme. Inclusive, gosto particularmente do cheiro das pessoas quando voltam da praia e acho que bronze natural supera qualquer maquiagem.

Os amigos devem estar boquiabertos. Afinal, nunca expressei o medo. Mas, queridos e queridas, coloquem a mão na consciência: quando nós fomos à praia juntos? Falo sobre entrar na água, rolar na areia, dançar um reggae, deixar a pele em brasa. Não falo sobre assistir ao pôr do sol ou almoçar em algum restaurante da orla. E, mesmo nessas situações, costumo ir embora rapidamente.

Dia desses, conheci um rapaz e o flerte foi imediato. Baco Exu do Blues descreveu com exatidão: uma cara de quem vai acabar com a minha vida, o olhar é um caminho sem saída, o corpo é um caminho sem saída. Estava mortalmente interessada até escutar o convite: "topa uma praia?" Usei minha lábia para converter a programação em cinema, depois em bar, depois em café da manhã na padaria e, até hoje, sigo desviando da proposta de praia.

Sou uma menina grande, ando de ambulância na madrugada, contrato pedreiro e mestre de obras, viajo sozinha. Será que é plausível ter tanto medo? Semana passada foi a vez da Sara jogar a real: "pega o biquini e vamos ali na praia". Não era um convite. Era a Sara dizendo que nós iríamos à praia. E fomos. Claro, eu fiquei titubeando, agarrei as cobertas, pensei no ar-condicionado geladinho.

Mas a Sara é a pessoa que, no linguajar cearense, tem moral. E, de repente, lá estava eu caminhando para sentir as ondas e comendo batata frita. Pois amizade não é passar pano, passar a mão na cabeça ou passar vontade. Amizade é a imensidão de fazer o outro desprender o medo e mergulhar de corpo inteiro na água salgada.

Te amo, Sara. Te amo, Rômulo.