Brecha na regra de demissão de técnicos do Campeonato Brasileiro aumenta poder de barganha dos treinadores, diz advogado
Para o advogado Matheus Mendes, na prática, a nova diretriz aumenta o poder de barganha dos treinadores no momento em que as equipes precisarem trocar de comando técnico por desempenho ruim ou insatisfação com o trabalho
18:26 | Jun. 09, 2021
Quando o conselho técnico da Série A do Brasileiro, realizado no fim de março, aprovou por maioria de votos a regra que limita a demissão de treinadores por parte dos vinte clubes que disputam a competição — depois o mesmo foi adotado nas séries B e C —, muitos deram como fim à famosa “dança das cadeiras” que acontece todos os anos no futebol brasileiro.
Depois, com a informação de que haveria certa flexibilização na determinação, imaginou-se que, na prática, pouca coisa mudaria. Afinal de contas, se a saída de um treinador se desse em comum acordo com o clube, ela não contaria como “cartucho queimado”, o que poderia ser uma brecha para as equipes burlarem a regra aprovada por elas mesmas.
O artigo 32 do regulamento específico da Série A diz que: “somente será permitida uma demissão de treinador sem justa causa, por iniciativa do clube, durante o campeonato. Caso o clube demita um segundo treinador sem justa causa após ter demitido o primeiro nessa mesma condição, deverá necessariamente utilizar um treinador (profissional) registrado há pelo menos seis meses. Eventual pedido de demissão por parte do treinador, demissão por justa causa por iniciativa do clube ou rescisão por mútuo acordo não serão computados”.
A parte final do texto é que, em tese, descaracteriza a regra, mas o advogado Matheus Mendes, do escritório Rodrigues de Albuquerque Advogados, tem uma visão diferente. Para ele, na prática, a nova diretriz aumenta o poder de barganha dos treinadores no momento em que as equipes precisarem trocar de comando técnico por desempenho ruim ou insatisfação com o trabalho.
“Para maquiar a dispensa sem justa causa (e assim não cair na regra), o clube pode ficar refém da barganha do treinador. Se a rescisão for por mútuo acordo, isso precisa ser formalizado, depende da anuência de todas as partes. Sendo desta forma, tem que ser estipulada uma contraprestação de uma parte para outra e aí o treinador pode barganhar um valor até maior do que lhe cabe receber”, explica Matheus.
A mesma realidade, porém, não se aplica aos clubes, na visão do advogado. Mesmo que o parágrafo primeiro do artigo 32 determine que “o treinador inscrito por um clube para a disputa do campeonato poderá se demitir uma única vez sem justa causa para dirigir outra equipe do certame. Caso se demita uma segunda vez sem justa causa, não poderá ser novamente inscrito na competição. A demissão por iniciativa do clube, a rescisão indireta por iniciativa do treinador ou a rescisão por mútuo acordo não serão computadas”.
Nesse caso, o ponto de observação é outro. “Na prática, o treinador só pedirá demissão se tiver outro clube querendo contratá-lo. E mesmo que ele peça para sair por entender que não está conseguindo bom desempenho, será de interesse da equipe a troca também, portanto é mais provável a existência de um acordo”, acredita Matheus.
Em outras palavras, se por um lado a demissão em comum acordo “dribla” a regra, por outro, pode ser difícil de ser acordada entre dirigentes e técnicos. Para os clubes, demitir diretamente é um risco, já que todos só podem rescindir unilateralmente com dois profissionais.
O Cuiabá, por exemplo, decidiu tirar Alberto Valentim do comando técnico logo após a partida de estreia. Apesar da nota não falar em demissão, em nenhum momento dirigentes ou o próprio treinador falaram em acordo, o que significa que a decisão foi apenas do clube e sem justa causa. Neste caso, se precisar demitir o próximo técnico, que ainda não foi contratado, o Dourado terá que ficar até o fim da Série A sendo treinado por um profissional que já esteja no clube há pelo menos seis meses.
Representantes cearenses na Série A do Brasileiro, Ceará e Fortaleza votaram contra a regra. O Alvinegro atualmente é comandado há mais de um ano pelo técnico Guto Ferreira, enquanto o Tricolor vive lua de mel com o argentino Juan Pablo Vojvoda, que completará um mês de trabalho no clube nesta quinta-feira, 10.