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Quase nome

02:00 | 16/03/2019

Viver é sempre um quase. Somos quase o que gostaríamos de ser, quase o que esperam de nós. Quase felizes, quase corajosos e as certezas, sobretudo elas, estão sempre pairando pela metade. Uma das poucas coisas que não admite o quase é o amor. Este só vem por inteiro, não aceita corte, existe na completude porque faz parte da sua natureza dominar tudo ao redor. Fora do amor estamos quase perdidos. Ou quase seguros, até o próximo minuto.

Por isso mesmo precisamos da Literatura, para tentar completar as lacunas que a vida deixa na sua feitura. E por ela tenho levado a missão de organizar cursos de escrita, reunir desconhecidos para falar horas e horas sobre o tão árduo quanto delicado trabalho de comungar palavras. Viver por elas e para elas na tentativa de entender a quase verdade de cada um.

Escrever é uma forma de organizar a narrativa da própria vida, mesmo quando o tema é distante da realidade do autor. É sempre um mergulho no desconhecido.

O principal objetivo dos cursos é provocar nos alunos a vontade de olhar para aspectos da existência que instigam um olhar atento para o que parece óbvio. É nele que estão escondidas as chaves para compreender o que somos. Ao mesmo tempo, é preciso respeitar a Literatura, sua História e Teoria, para que um projeto sólido seja construído.

Mais uma vez a produção de um dos meus cursos virou livro. Chama-se Quase Nome, um conjunto de vinte e três contos sobre nomes próprios.

Pensamos juntos no tema porque é algo que ronda a minha história, desde sempre. Ter um nome forte como Socorro é impactante na vida de uma criança e na formação de uma mulher. Quando sugeri a ideia ao grupo e contei da minha experiência - ser uma pessoa e uma interjeição ao mesmo tempo; crescer e entender o nome como missão que se impõe - a catarse começou. Todos olharam imediatamente para seus próprias identidades.

Há no grupo um aluno chamado Cançado (assim mesmo, com cedilha, ele sempre explica). Nunca vi sujeito mais disposto, cheio de vida e energia. Há a Dauana, um nome simples, quase uma confraria de vogais, mas que ninguém acerta na hora de repetir. Outro aluno eu conheço há mais de vinte anos sem desconfiar que Tibico, seu apelido, não era seu nome de verdade. No máximo diminutivo, sempre achei. Temos ainda a Ivone, que por causa deste nome não pode entrar no mar. E de um para o outro seguimos na entrega profunda de pensar de onde veio cada nome, porque foram escolhidos, para onde nos conduz. E assim, a catarse virou ideia e projeto.

Alguns escreveram sobre isso, a vida levada por um nome. Outros foram além, calçaram os sapatos de personagens com trajetórias muito distintas das suas. Esquecer o nome de alguém; lembrar para sempre; suplicar por ele na hora da saudade; temer os nomes com cheiro de morte; ser vítima de seu fado; livrar-se da carga dos nomes dos parentes; desobedecer à ordem imposta; ceder; fugir; amar: todas as reações possíveis ao carimbo da sina.

Com muito orgulho, apresento mais um fruto do Ateliê de Narrativas. Quase Nome é um livro coletivo, feito de múltiplas vozes e estilos de texto, pessoas talentosas reunidas em torno de uma única pergunta: o que o seu nome diz sobre você? Quase enigma.

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