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Como a dor deveria sair no jornal - II

00:00 | 07/07/2019

Lidar com temas sensíveis, como a cobertura de um suicídio, exige dos profissionais da imprensa mais cuidados do que os habituais. Há risco de agravamento dos traumas e desdobramentos mais trágicos. Na semana que passou, um desses casos foi noticiado por muitos dos veículos do País - pelo O POVO, inclusive - e muitos deles falharam de maneira imprudente - O POVO, inclusive.

Noticiamos, na quinta-feira, 6/7, o suicídio de um empresário em Sergipe, em um ato público, com a presença de autoridades. Houve chamada em destaque no O POVO Online. No título da matéria, "Empresário comete suicídio diante do governador de Sergipe e do ministro de Minas e Energia", e na chamada, destacamos a palavra "suicídio", o que vai de encontro ao que orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS). Deve-se evitar usar a palavra nos títulos.

Também de acordo com o que a OMS orienta à mídia, não se deve mencionar o método utilizado em suicídio. Não se apresentam também as causas ou possíveis causas, até porque o fenômeno é multifatorial. Nunca há uma única razão para que ele ocorra. É simplista e ignorante essa abordagem.

Na matéria do O POVO, além de a palavra "suicídio" estar na chamada do portal e no título, havia a informação do método utilizado (disparo). Também escrevemos que o empresário estava em recuperação judicial (possível causa). O vídeo do tumulto após o ato foi publicado no perfil do O POVO do Instagram. Quando vi a matéria no portal, alertei à Redação que os procedimentos estavam inadequados. Já que se avaliou que se deveria noticiar, que se fizesse dentro das normas validadas pela OMS. A chamada ainda ficou horas na capa do portal.

Cuidados

Representantes do programa Vidas Preservadas, do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), que atua na prevenção ao suicídio, entraram em contato com a Redação e comigo. Conversei com o promotor de Justiça Hugo Mendonça, um dos coordenadores do programa, que lamentou o acontecimento e o tratamento dado pela imprensa.

"Nós, do Vidas Preservadas, lamentamos profundamente a tragédia em Sergipe, que gerou repercussão nacional. Eu lamento ainda mais o tratamento que alguns veículos de comunicação importantes, inclusive O POVO, deram a esse acontecimento. Um suicídio em local público impacta, no mínimo, 10 vezes mais pessoas do que um suicídio em local não público. Por isso, deve ter um tratamento de forma muito mais cuidadosa pela mídia. Lamentamos que a forma que o Grupo O POVO escolheu para tratar essa questão tenha sido de uma divulgação inadequada e inconsequente", avalia Hugo Mendonça. De acordo com ele, há um perigo de contágio e de estimulação a outras pessoas que estão em momento de fragilidade.

O promotor lembra que um curso de capacitação do programa já foi realizado com os profissionais da imprensa sobre a abordagem em casos de suicídio. Ele sugere que a mídia se utilize de casos assim para gerar um debate positivo, com análise das estatísticas e questionamento aos gestores públicos acerca do que está sendo feito para prevenção, por exemplo.

Perguntei à Chefia da Redação do O POVO sobre as normas para cobertura de suicídio. Em nota, a Chefia informa que a regra é não divulgar notícias de suicídio, mas há exceções, como um político importante (Getúlio Vargas, por exemplo). Há também coberturas do assunto, como o suicídio como um caso de saúde pública. Acrescenta que os jornalistas do O POVO têm passado por capacitações sobre o assunto e justifica a publicação do caso da semana que passou.

"O POVO Online optou pela publicação por considerar que estavam presentes critérios de noticiabilidade. Em pouco tempo, seguiu-se um debate interno que, em poucos minutos, resultou na retirada do vídeo da matéria e das redes sociais, bem como em ajustes em várias partes do texto, que consideramos necessário haver. Ressaltamos ainda que o vídeo não era do suicídio em si, mas do tumulto gerado na plateia. O tema merece, sim, reflexão. Não nos parece que haja respostas fáceis."

Há pouco mais de dois meses, escrevi neste espaço que a discussão sobre a cobertura do suicídio é delicada, mas necessária ( https://bit.ly/2L351YI ). Este foi um exemplo de como o problema é real. O que estamos fazendo para melhorar a qualidade da informação que publicamos? As Redações não têm um manual atualizado sobre como enfrentar o assunto e vão tratando o tema na esteira dos acontecimentos, cometendo equívocos, expondo suas fragilidades e contribuindo para a vulnerabilidade de um público angustiado. Evitar o efeito contágio também deveria fazer parte da nossa responsabilidade social.

Daniela Nogueira