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O que faltou ser discutido

00:00 | 16/06/2019

Especialistas têm tratado o caso como o maior escândalo do Judiciário brasileiro. O assunto tem tomado redes sociais e debates acadêmicos, além de acirrado ainda mais os ânimos que nunca estiveram tranquilos. O vazamento de conversas atribuídas ao ministro Sérgio Moro, à época juiz, e ao procurador do MPF Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, reavivou uma série de discussões acerca dos agentes públicos e suas posturas éticas. A forma como essas conversas foram obtidas também foi posta em xeque. Foi legal?

O POVO tem coberto o caso desde o início da semana, dentro de sua factualidade. Publicou uma matéria, com chamada na capa na segunda-feira. Na terça, o assunto foi a manchete do jornal. Mesmo tendo sido o destaque da edição - é assim que entendemos a manchete -, com produção local, políticos e especialista ouvidos e citados, faltaram as falas, contexto mais detalhado e mais aprofundamento. Na quarta em diante, o assunto arrefeceu. Com matérias de agências, o tema ia sendo ofuscado por outras temáticas.

É certo que o ponto foi objeto de análise em artigos, colunas e podcasts, que se desdobraram em argumentos contrários e favoráveis, como são oportunos nos espaços de crítica e opinião. No entanto, no escopo da cobertura noticiosa, e para além das factualidades presentes nesse caso, há vários questionamentos a serem feitos. Até a última sexta-feira, não debatemos sobre muitos deles e desperdiçamos um precioso tempo ao demorar em discuti-los com o público leitor.

Questões

Sempre ressalto que escrevemos para um público não necessariamente especialista ou entendido no assunto. O jornal precisa ser autoexplicativo para um leitor que é leigo. Não escrevemos para um segmento apenas. Uma revista jurídica, por exemplo, tem um público específico e não precisaria esclarecer certos trâmites. Um veículo de comunicação de massa, sim. Desse modo, o jornal, como mediador entre os eventos da sociedade e o leitor, deveria se debruçar sobre as questões e tentar elucidar ao leitor: afinal, o que há de ilegal na conversa de Moro e os procuradores? Eles não poderiam conversar durante o processo de investigação?

Antes: como garantir que as conversas são, de fato, dos envolvidos, como alega o Intercept Brasil? E como funciona o Intercept Brasil? De que forma atua, de quais outros casos participou? O material, mesmo se obtido ilegalmente, pode ser prova legal nos processos, como admitiu um dos ministros do Supremo? O CNJ agiu certo ao arquivar o processo, visto que Moro não é mais juiz? No meio da semana, o presidente Bolsonaro encerrou abruptamente uma entrevista coletiva quando perguntado sobre o ministro. O presidente não deveria ter se manifestado mais cedo acerca de um dos seus ministros?

Nas redes sociais, reproduzimos as conversas divulgadas entre o então juiz e o procurador Dallagnol. Não contextualizamos, porém. Por que não explicar a situação a que se referem? Quem são as pessoas citadas? Além disso, há quem defenda a exoneração do ministro Moro do Governo. Será o cabível agora, por mais que o presidente tenha descartado? E isso tudo pode interferir no julgamento do ex-presidente Lula?

São algumas das questões que precisam ser discutidas e, neste momento em que vivemos, são cruciais ao entendimento da conjuntura. O cientista político Cleyton Monte, membro do Conselho de Leitores do O POVO, sugere uma cobertura mais ampla e profunda acerca do caso. "Para além do factual, não apenas abordando a forma, mas o conteúdo das conversas. É uma questão muito grave que independe de direita ou esquerda. A democracia representativa está em jogo", analisa.

Não se deve negar a gravidade das acusações e a repercussão de todas elas nas diversas esferas de poder do País. A opinião pública se aqueceu e está reagindo. O Jornalismo não pode recuar, ignorar ou tentar ofuscar. É o momento de expor os argumentos e reverberar as suas sequências. Sem lados, sem paixões, sem demoras. O Jornalismo não vive de intenções. Ele vive do que pratica e precisa, sobretudo, noticiar os fatos com o peso que eles têm.

Daniela Nogueira