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Duas manifestações, uma cobertura: por quê?

00:00 | 14/04/2019

Os teóricos afirmam há muito tempo: os meios de comunicação de massa exercem sobre a audiência um poder de influência impressionante. Uma das teorias prega que existem até certas gradações ideológicas nas mensagens veiculadas. Não foram poucos os leitores que, mesmo sem conhecerem Teoria da Comunicação, reclamaram da edição do O POVO de segunda-feira passada, 8/4. Na capa, a manchete não foi o que mais chamou a atenção, mas, sim, a chamada na parte de baixo da versão impressa.

No título: "'Lula Livre': manifestações pelo País". Na imagem, uma cena que rodou o País em diversos veículos - uma mulher sendo violentamente segurada por três homens, enquanto um deles a enforcava. Ela tinha nas mãos um objeto pontiagudo de metal. A legenda fazia menção à manifestação em Fortaleza e à "confusão" em São Paulo: "na foto, a agressão de um grupo de homens pró-Lava Jato contra uma mulher".

A cena é mesmo impactante. Chama a atenção por vários motivos - é chocante, comove, gera algum tipo de revolta, qualquer que seja o seu posicionamento político. Um dos problemas, porém: nem na capa nem na matéria interna há qualquer informação adicional sobre a cena. O POVO reproduziu a imagem, mas não contou a história. "A mulher invadiu a manifestação contra o STF com um objeto perfurante, foi contida e eis a manchete do O POVO", foi o que li algumas vezes. Além disso, recebi dezenas de mensagens de leitores com especulações múltiplas sobre o que a mulher iria fazer ou teria feito portando o tal objeto pontiagudo. Não sabemos, pelo menos não pelo O POVO.

"Equívoco"

Por mais que não tenha sido uma ocorrência local, em Fortaleza, justificar-se-ia estar na capa de um jornal regional se a informação estivesse completa. Não adiantou foi ter publicado uma imagem marcante, de forma incompleta, e ser convertida em alvo de críticas de viés ideológico.

A situação se agrava quando, na mesma edição, em vez de publicar a cobertura de duas manifestações com dois públicos ideologicamente distintos entre si, O POVO publica somente uma. No domingo, houve pelo País, em Fortaleza inclusive, atos a favor do ex-presidente Lula. O POVO publicou no jornal impresso de segunda - e já havia postado nas redes sociais no domingo. Também no domingo, aconteceram pelo País, em Fortaleza inclusive, manifestações contra o STF, de cunho mais liberal. O POVO não publicou.

Não faltaram queixas nem hipóteses sobre a ausência da cobertura. Para citar algumas: "No que vocês transformaram o melhor jornal do Estado? Lamentável! Nenhuma linha sobre as manifestações lava toga (sic). O que o fanatismo não faz?", queixou-se o leitor Marigelbio Lucena. Genaro Queiroz da Nóbrega lamentou: "Estranhei a opção por somente publicar as manifestações favoráveis à liberação do ex-presidente Lula, parecendo que nada aconteceu referente aos movimentos em apoio à Lava Jato e ao projeto contra a criminalidade e a favor da prisão em segunda instância". Ernesto Antunes, membro do Conselho de Leitores do O POVO, também se incomodou: "Por qual motivo o nosso Jornal O POVO citou apenas a manifestação a favor do Lula?"

Quanto à falta da cobertura da manifestação ocorrida na Praça Portugal, o editor de Política Guálter George atribui a um "equívoco na programação de pauta", causada pelo desconhecimento de que o protesto aconteceria. "É isto: não esteve na programação de cobertura daquele dia porque escapou das informações prévias disponíveis para definirmos antecipadamente, como fazemos toda sexta-feira, o que seria acompanhado por nossas equipes de profissionais nos plantões do sábado e do domingo", observou Guálter. Ele completa: "Estou pronto a me explicar quantas vezes forem necessárias acerca do que publicarmos no âmbito da Política. Porém a ideia de que nos movemos por razões ideológicas, sinceramente, soa grosseira".

Em meio a todo momento de tensão, como o que vivemos, é sempre necessário vigiarmos a fim de não municiarmos a audiência com polêmica. Situações como esta, justificadas como equívoco, repercutem negativamente sob níveis imensuráveis e, mesmo que injustamente, acabam por reforçar a pecha de que o jornal assume um viés ideológico, político ou partidário - sem que ele, de fato, tenha assumido. E isso não é saudável para o jornal sob nenhum ponto de vista.

 

Daniela Nogueira