Editorial: Transporte coletivo e o pós-pandemia

01:30 | Jun. 18, 2020

O retorno paulatino das atividades rotineiras nos centros urbanos, em meio a uma pandemia ainda não controlada, faz redobrar o desafio posto à população de enfrentar os perigos reais de um eventual contágio, à espreita do menor desaviso. Identificar as brechas pelas quais essa possibilidade pode tornar-se efetiva é a obrigação dos responsáveis pela luta antipandemia. Uma dessas brechas mais vulneráveis é a rede de transporte coletivo, um reconhecido vetor de disseminação do vírus. Uma reportagem publicada, ontem, pelo O POVO, expôs a grave ameaça representada pela aglomeração caótica de usuários nos terminais de ônibus, sem qualquer distanciamento social, e a superlotação desses veículos.

Trata-se de um desafio extremamente complexo, e não é exclusivo do Brasil, exigindo respostas nada fáceis, em vista das implicações econômicas, sociais, administrativas, financeiras e institucionais.

Se sempre foi complicado manter esse tipo de serviço dentro de uma ótica de mercado, em situação normal (compatibilizando margens de lucros e preços acessíveis aos usuários), o que dizer numa conjuntura de desmoronamento geral dos referenciais econômicos pré-pandemia? Diante do gigantismo do problema, não é permitido a ninguém ignorá-lo e enterrar a cabeça feito avestruz.

O fato é que fechar os olhos à superlotação no transporte coletivo seria dar ensejo à propagação contínua da doença e validar uma política de "enxugar gelo", anulando os esforços desenvolvidos até aqui para conter a pandemia. Nem a ética, nem o senso de responsabilidade política, nem o dever moral, nem o ordenamento legal validariam essa "rendição".

Manter o distanciamento social nos transportes coletivos exige, mobilizar recursos que vão do distanciamento social no interior dos veículos (só permitindo passageiros sentados), prévia medição de temperatura individual, antes de acessá-los, investimento em inovação tecnológica, além de porte obrigatório de máscara e álcool em gel na sua porta de saída, dentre outras providências.

Efetivamente, isso tem custos que irão exigir subsídios complementares para a empresa, como forma de lhe garantir a margem mínima de lucros e a manutenção de uma tarifa acessível. Se isso não for possível - e provavelmente não será - seria preciso pensar na adoção de um modelo de transporte coletivo totalmente público, cujo financiamento viria do aporte de outras fontes de ingresso da máquina pública. Sim, seria preciso abandonar referenciais ultraliberais de um mundo que não mais existe. Não por utopia, mas por imposição de um novo paradigma de organização econômica e social, pós-pandêmico, que já sendo articulado nas matrizes do capitalismo. As mesmas que antes consideravam uma "heresia" estatizar serviços fundamentais como os sistemas de saúde, educação e transporte coletivo. Emerge, assim, um "novo normal".