Agência BBC

Diretor americano de filme sobre Bolsonaro diz estar fazendo 'thriller político contemporâneo'

Cyrus Nowrasteh diz que 'Dark Horse', idealizado por bolsonaristas, deverá ser lançado em 2026, ano eleitoral, e promete um 'retrato complexo e honesto' do ex-presidente.

06:21 | Dez. 16, 2025

Por: Vitor Tavares - Da BBC News Brasil em São Paulo

Mario Frias/Reprodução
Jim Caviezel (esq.) interpreta Bolsonaro no filme produzido por Mario Frias (ao centro) e dirigido por Cyrus Nowrasteh (dir.)

Diretor do filme sobre Jair Bolsonaro idealizado por apoiadores e acompanhado por familiares do ex-presidente, o cineasta Cyrus Nowrasteh diz que o longa, com previsão de lançamento em 2026, ano de nova eleição à Presidência, vai fazer um "retrato complexo e honesto" do político brasileiro.

Em entrevista por email à BBC News Brasil, a primeira vez em que fala à imprensa sobre o filme, Nowrasteh conta que sabia que Bolsonaro era uma "figura controversa e polarizadora" no Brasil, mas que por isso mesmo valeria a pena ser retratada.

"Uma figura polarizadora não é um tema fértil para um filme? Artistas não deveriam ser agentes de ruptura? Não deveríamos questionar a autoridade? Não deveríamos questionar as visões e narrativas predominantes?", diz Nowrasteh.

Nowrasteh, um diretor americano de ascendência iraniana e que tem no currículo filmes com forte apelo cristão e político, também é responsável pela edição de Dark Horse (algo como "Azarão", em tradução livre).

As gravações foram encerradas em dezembro, em São Paulo, e as primeiras imagens foram divulgadas nas redes sociais nas últimas semanas por políticos e militantes bolsonaristas.

A ideia e o argumento do filme são do deputado federal Mário Frias (PL-SP), ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro e um dos apoiadores mais vocais do ex-presidente no Congresso.

Frias tem compartilhado imagens dos bastidores do filme nas redes social.

"@jairbolsonaro, tudo por sua vitória!", escreveu o deputado ao mostrar uma cena em que ele e Carlos Bolsonaro ouvem uma oração de Jim Caviezel, ator que interpreta o ex-presidente, no set de filmagem.

O diretor Cyrus Nowrasteh conta que estava desenvolvendo outro projeto para ser feito no Brasil quando um produtor americano o colocou em contato com a produtora GoUp Entertainment, de Karina Ferreira da Gama, e com Mário Frias.

"Eles queriam fazer algo sobre Bolsonaro. Fiquei impressionado com o Mário e com a paixão dele pelo projeto. Eu sabia que Bolsonaro era uma figura controversa e polarizadora — mas também muito querida", diz o diretor.

Nowrasteh já tinha uma relação com o Brasil porque, em 1995, foi coautor do roteiro do filme brasileiro-americano Jenipapo, dirigido por Monique Gardenberg, mesma diretora de Ó Paí, Ó (2007), a quem chama de uma "cineasta extraordinária". Na história, um jornalista americano tenta entrevistar um padre apoiador da reforma agrária no Nordeste.

O filme mais reconhecido de Nowrasteh é O Apedrejamento de Soraya M (2008), que trata da história de uma mulher muçulmana condenada à morte em praça pública no Irã devido a uma acusação falsa de adultério.

O filme teve certo reconhecimento: ficou em terceiro lugar no prêmio do público no Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá.

Nowrasteh também dirigiu O Jovem Messias (2016), sobre um jovem Jesus, e Sequestro Internacional (2019), sobre um jornalista-blogueiro cristão que vira prisioneiro do Irã após falar de Jesus.

Seu último filme, Sarah's Oil (2025), é sobre uma menina negra que tem a fé de que a terra que herdou é rica em petróleo. Uma crítica do New York Times diz que o longa traz uma "veneração incidental aos combustíveis fósseis".

Em artigo no canal Fox News de 2016, Nowrasteh explica que não cresceu cristão de forma tradicional, já que sua família é muçulmana. Sua aproximação com o cristianismo ocorreu após se casar com sua esposa, Betsy.

"É minha esperança que aqueles que já veneram Jesus de Nazaré passem a amá-lo ainda mais", disse sobre o filme O Jovem Messias.

Ainda não está claro se haverá algum tom religioso ao retratar Bolsonaro em Dark Horse. O ex-presidente é católico, mas se aproximou dos influentes setores evangélicos na política brasileira, principalmente por meio de sua esposa, Michelle.

O idealizador do filme, Mario Frias, é cristão e, na sua concepção, religião deve se envolver na política. Em um culto numa igreja de Campinas em 2022, ele disse: "Nós cristãos estamos falando de política hoje, para não sermos proibidos de falar de Jesus amanhã".

JB Lacroix/Getty Images
Cyrus Nowrasteh tem tradição em filmes cristãos, como 'O Jovem Messias' (2016) e 'Sarah's Oil' (2025)

O que esperar de Dark Horse

Junto a Frias, o diretor escolheu focar a história de Dark Horse na tentativa de assassinato em 2018, quando Bolsonaro levou uma facada em Juiz de Fora (MG), durante um ato da campanha eleitoral à Presidência.

"Senti que havia muitas perguntas sem resposta em torno desse evento e que valia a pena explorá-las em um filme", afirma Nowrasteh.

"Vejo a obra como um thriller político contemporâneo, que ajudará a iluminar muito do que está acontecendo no Brasil hoje — e no mundo."

No filme, o ex-presidente lembra da sua vida em flashbacks enquanto passa por cirurgias. O longa termina com a eleição de Bolsonaro naquele ano, segundo Frias.

Todo falado em inglês, o longa terá uma versão dublada para o Brasil. "Buscamos um público internacional", explica Nowrasteh.

O diretor compara o que faz no filme a cineastas como o greco-francês Costa-Gavras, que se notabilizou por fazer filmes de denúncia política, como Z, Estado de Sítio e Desaparecido - Um Grande Mistério.

Ele também usa como exemplo o diretor americano Oliver Stone, vencedor de três Oscars e autor de filmes polêmicos que desafiam versões oficiais de fatos históricos.

A comparação com Stone é ainda mais significativa porque o diretor é nome por trás do documentário Lula, exibido em 2024 no Festival Cannes, na França, sobre trajetória do presidente brasileiro nos anos que antecederam sua vitória nas eleições de 2022.

Stone chegou a dizer em entrevistas que "Lula foi preso por uma armação. Ele provou isso no filme", indicando o tom da produção a respeito da prisão do petista na Lava Jato em 2018. O documentário, ainda não foi lançado oficialmente.

"Todos se concentram em temas polarizadores e questionam vigorosamente as 'visões aceitas'. Essa é uma tradição longa e nobre. Estou apenas fazendo o mesmo", comparou Nowrasteh.

Palácio do Planalto
Em entrevista, Nowrasteh se compara a Oliver Stone, ganhador do Oscar que está fazendo documentário sobre Lula

O intérprete de Bolsonaro em Dark Horse é um velho conhecido de Nowrasteh em seus filmes e, segundo Frias, a única escolha possível para o papel.

O americano Jim Caviezel ganhou fama internacional ao interpretar Jesus no filme A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, marcado por polêmica nos Estados Unidos por sua violência e pela acusação de supostamente promover antissemitismo ao focar nos judeus como culpados pela morte do messias.

Após essa produção, Caviezel focou em sua carreira em filmes com temas religiosos ou com argumentos caros à direita.

Sua produção de maior destaque nos últimos anos foi O Som da Liberdade, que teve mobilização de evangélicos e bolsonaristas para ser líder de bilheteria no Brasil e no mundo em 2023.

Gravado em 2018 e financiado por investidores independentes, o filme narra a história de um agente do governo americano que desmantela uma rede de abuso sexual infantil que operava na Colômbia.

O filme também foi associado por críticos ao movimento americano QAnon — que propaga a tese de que políticos como o presidente americano, Donald Trump, estariam travando uma guerra secreta contra pedófilos traficantes de crianças e adoradores de Satanás que supostamente ocupariam cargos no alto escalão do governo dos Estados Unidos, do mundo empresarial e da imprensa no país.

Apoiador fiel de Trump e católico praticante, Caviezel topou interpretar Bolsonaro sem negociar valores, segundo Mario Frias. Ele aparece em fotos ao lado de Carlos Bolsonaro, Mario Frias e outros apoiadores do ex-presidente no set de filmagem.

Apesar de uma linha ideológica clara daqueles que participam da produção, Nowrasteh defende que irá apresentar Bolsonaro "sem verniz, como ele é".

A BBC News Brasil perguntou ao diretor se o filme vai retratar Bolsonaro como uma "figura heroica".

"Heróis estão nos olhos de quem vê, não estão? Todo mundo parece ter uma opinião sobre o tema e sobre o homem. Não tenho certeza de quantas pessoas mudarão de ideia", responde.

"Não fugimos das controvérsias em torno de sua campanha de 2018. Trata-se de um retrato complexo e honesto. Olhe para os filmes que fiz antes deste — esse é o melhor indício de como este será."

Reprodução/Dark Horse
Filme deve ser lançado em 2026 e teve poster compartlhado nas redes

Produtora já recebeu emendas parlamentares

A produção do filme Dark Horse está a cargo da empresa Go Up Entertainment, de Karina Ferreira da Gama.

A produtora aparece em documentos públicos como responsável por alugar o Memorial da América Latina, espaço cultural em São Paulo, para as gravações. O valor foi R$ 126 mil.

Gama também é presidente da Academia Nacional de Cultura (ANC), empresa que já recebeu, via emendas parlamentares de deputados do PL, partido de Bolsonaro, R$ 2,6 milhão para produção de uma série sobre "heróis nacionais".

A empresária é ainda sócia do Instituto Conhecer Brasil, que recebeu entre 2024 e 2025 mais de R$ 100 milhões da Prefeitura de São Paulo, comandada por Ricardo Nunes (MDB), aliado de Bolsonaro, para fornecer internet wi-fi em comunidades de baixa renda da cidade no último ano, segundo reportagem do Intercept Brasil.

Esse instituto também recebeu em 2025 duas emendas de R$ 1 milhão cada do deputado Mário Frias, idealizador do filme sobre Bolsonaro. Os projetos financiados por Frias eram de incentivo ao esporte e de letramento digital.

Frias não tem revelado a origem dos recursos para a produção de Dark Horse e tem dito que jamais o faria com "verba pública" ou apoio de leis como a Rouanet.

Em entrevistas, ele cita que teve muito apoio da SPCine, agência da Prefeitura de São Paulo, e do governo paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O diretor Cyrus Nowrasteh diz não ter como falar de orçamento do filme, por não ser o produtor. Mário Frias, em entrevistas a canais de direita, disse que o longa é de "baixíssimo orçamento" para padrões da indústria americana, mas não revelou seus financiadores.

O governo de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo disseram à BBC News Brasil que não deram nenhum apoio à produção.

"A SPCine autorizou as gravações do filme mencionado após análise técnica, seguindo exatamente o mesmo trâmite usado em todas as solicitações recebidas pelo Município", disse a Prefeitura.

Mario Frias e Karina da Gama não se pronunciaram nas reportagens a respeito da transferência de emendas e de recursos da prefeitura. A BBC News Brasil tentou contato com os dois, mas não houve resposta.