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4 fatores-chave que explicam a retumbante vitória de Kast no Chile

Vários fatores reunidos fizeram com que José Antonio Kast fosse eleito presidente do Chile com expressiva vantagem. Ele venceu a candidata comunista Jeannette Jara em todas as regiões do país.

16:36 | Dez. 15, 2025

Por: Isabel Caro - De Santiago (Chile), para a BBC News Mundo

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Não houve surpresa. Como previam as expectativas, o Chile elegeu no domingo (14/12) o direitista José Antonio Kast como seu próximo presidente.

Em sua terceira tentativa de chegar à presidência, o líder conservador obteve 58,16% dos votos, impondo uma ampla vantagem à candidata da esquerda, a comunista Jeannette Jara, com 41,84%.

Kast contou com o apoio de todos os setores da direita do país. Ele conseguiu se eleger propondo um "governo de emergência", com um duro discurso em termos de segurança e imigração, duas preocupações que se tornaram prioridade para os chilenos.

O triunfo do ex-parlamentar representa a maior guinada para a direita desde o retorno do Chile à democracia, em 1990. Ela ocorre depois de quatro anos do governo de esquerda do atual presidente, Gabriel Boric.

Kast venceu em todas as regiões do país e se tornou o presidente mais votado da história do Chile, com pouco mais de 7,2 milhões de votos.

Este resultado se justifica, em parte, pelo crescimento do eleitorado chileno e por se tratar da primeira eleição presidencial no país com voto obrigatório.

Mas seu resultado contundente tem diversas explicações — e traz consigo desafios consideráveis.

1. Insegurança e migração irregular

"O medo."

Esta é a resposta do doutor em sociologia Eugenio Tironi, questionado sobre os principais fatores que explicam o triunfo de Kast no Chile.

Tironi também é consultor e se refere precisamente ao medo registrado entre os chilenos durante esta campanha presidencial, em relação à segurança pública.

"Existem diversos fatores, mas acredito que, basicamente, é o medo", explica ele. "O medo da criminalidade, da migração descontrolada [geralmente observada como associada ao crime] e, por fim, o medo da insegurança produzida pela estagnação econômica."

"Existe um desejo de mudança, mudança de políticos, de estilo, de forma de governo. E Kast capitalizou isso muito bem", afirma o analista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

A sensação de insegurança aumentou no país sul-americano nos últimos anos, entre outros motivos, devido ao aumento registrado dos níveis de violência em delitos comuns, como assaltos. Além disso, também foi detectada a presença no país de grupos criminosos internacionais.

De fato, este tema marcou profundamente o governo Boric. O presidente se viu forçado a reformular suas prioridades e potencializar suas ações em relação à criminalidade.

O presidente eleito soube aproveitar esta preocupação dos cidadãos chilenos. Com um discurso "linha-dura" contra o crime organizado e a criminalidade em geral, Kast conseguiu elaborar uma resposta que encontrou eco entre os eleitores.

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Kast conseguiu capitalizar os temas mais urgentes entre a maioria dos chilenos

No Chile, o crime organizado foi vinculado à imigração irregular, devido à entrada no país de grupos como o Tren de Aragua.

Existem no país cerca de 300 mil imigrantes que ingressaram de forma irregular. Kast fez deles uma de suas prioridades.

O presidente eleito os convocou a abandonar o território chileno e se comprometeu a expulsá-los do Chile.

A analista e especialista em comunicação Paula Walker concorda que Kast capitalizou o medo dos chilenos em relação a estes assuntos, mas faz uma ressalva.

"É uma campanha que se serve do medo, mas, quando precisa desenvolver suas peças, não apela a este receio", afirma ela. "Não se desenvolve ancorada em imagens obscuras, pelo contrário. Neste sentido, sua campanha chegou a oferecer esperança."

O jornalista e escritor chileno Ascanio Cavallo também indica que Kast conseguiu encarnar uma promessa de mudança em temas mais amplos, que afetam diariamente a vida das famílias chilenas, como o desemprego, a saúde e a educação.

Um dos principais desafios de Kast neste particular será gerenciar as expectativas estabelecidas neste campo. E, no seu primeiro discurso à nação, sinalizou sua moderação.

"Não se verão resultados no dia seguinte", declarou ele. "Isso exige perseverança, fortaleza e sabedoria."

E acrescentou: "Não nos peçam milagres, peçam-nos energia".

2. A moderação e um novo extremo

Um fator que marcou a terceira tentativa de José Antonio Kast para chegar à presidência do Chile foi sua aparente moderação.

Em 2021, quando perdeu o segundo turno para Gabriel Boric, sua narrativa era completamente diferente.

Ele se mostrou contrário aos direitos da população LGBTQIA+ e ao aborto — mesmo em caso de risco para a vida da mulher, inviabilidade fetal e estupro, situações em que o aborto é permitido pela legislação chilena.

Kast chegou a propor a perseguição a agitadores radicais de esquerda e tornou pública sua admiração pelo ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1915-2006).

Mas, desta vez, ele não defendeu nenhum destes pontos. Sua estratégia foi pragmática e monotemática: um governo de emergência, dedicado a impor a ordem, com "linha dura" contra os criminosos e delinquentes, além dos imigrantes irregulares.

Quando alguém o questionava sobre a questão dos valores, sua resposta era sempre a mesma: estes temas não são prioridade dos chilenos. E, em outros assuntos complexos, ele respondia apenas "depende", para evitar impor posições que pudessem custar sua eleição.

Sua aparente moderação também se viu reforçada pelo surgimento de outra figura alinhada à direita: o deputado libertário Johannes Kaiser, que atingiu expressiva votação no primeiro turno e apoiou Kast no segundo.

Desta vez, Kaiser foi quem desempenhou o papel mais extremo. Ele propôs, por exemplo, conceder indulto aos condenados por violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar (1973-1990).

Durante a campanha do segundo turno, Kast aprofundou suas mensagens para a direita mais liberal e mesmo para o centro político.

Ele também acenou aos eleitores do populista Franco Parisi, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno presidencial de 16 de novembro. Ele atingiu 20% dos votos.

Nesse período, Kast recebeu o apoio do ex-presidente chileno Eduardo Frei (1994-2000), integrante histórico da Democracia Cristã, de centro.

Todos os analistas consultados pela BBC News Mundo concordam que a aparente moderação de Kast foi um fator que influenciou significativamente a histórica votação obtida no domingo (14/12).

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Chilenos comemoram a vitória de José Antonio Kast

"Isso foi muito importante", afirma Tironi. "Permitiu a ele carregar o voto de centro, carregar o voto da direita do velho arco da Conciliação [a coalizão de centro-esquerda que liderou a transição democrática após a queda de Pinochet] e permitiu carregar os votos de Parisi."

"Tudo isso teria sido muito mais difícil se ele insistisse na sua agenda de valores", explica ele.

A grande pergunta que se abre no Chile é se Kast continuará aprofundando esta posição ou se, depois de eleito, passará a ser mais sincero ao se definir sobre temas que se esquivou de abordar no período eleitoral.

Com um discurso anti-imigração que relembra Donald Trump, uma promessa de cortes de gastos fiscais e redução do Estado ao estilo de Javier Milei e sua proximidade de outras figuras de viés autoritário, como Nayib Bukele, de El Salvador, e Viktor Orbán, da Hungria, alguns oposicionistas se perguntam se Kast seguirá ou não este caminho.

Seus primeiros sinais indicam o sentido contrário.

No seu primeiro discurso à nação, Kast afirmou que seu governo de emergência "não significa autoritarismo, de nenhuma forma".

O presidente eleito também confirmou que renunciaria ao Partido Republicano, repetiu várias vezes que pretende ser o presidente de todos os chilenos e estendeu a mão à própria Jeannette Jara e sua futura oposição.

"Um governo não se constrói apenas com seus partidários, mas também com a oposição", declarou Kast.

3. Oponente continuísta e comunista

No Chile, a última vez em que um presidente transmitiu a faixa presidencial a um sucessor do mesmo grupo político ocorreu em 2006, quando Michelle Bachelet foi eleita sucessora do então presidente Ricardo Lagos.

Desde então, em meio a uma série de protestos sociais (2019-2020) e dois processos constitucionais fracassados (2022 e 2023), o país sempre preferiu a alternância de poder.

Esta tendência não é exclusiva do Chile e vem se tornando cada vez mais comum em todo o mundo. Ela também foi observada em outros países da América Latina, nas recentes eleições no Uruguai e na Bolívia.

O chamado "voto de impugnação", que rejeita quem está no poder no momento da eleição, foi um fator que jogou contra Jeannette Jara.

A candidata de esquerda representava a continuidade do governo de Gabriel Boric. Ela foi sua ministra do Trabalho e, apesar das suas críticas duras ao governo, não conseguiu se distanciar da figura do atual presidente.

Mas nem tudo se explica por este motivo. Vários especialistas indicam que a vitória de Kast também representa um castigo para o próprio Boric e seu governo.

"Algumas ações do governo foram muito bem utilizadas pela candidatura de Kast", segundo Walker, como "problemas de gestão e decisões políticas mal tomadas, o que ele capitalizou muito bem".

Para Cavallo, a derrota de Jara pode ser explicada, em grande parte, por ela ter sido o rosto da continuidade" de um governo muito ruim, um governo muito amador, muito pouco responsável em algumas coisas".

"Não em todas, mas em algumas, sim, e com pouca profundidade histórica", explica ele.

Tironi afirma que é difícil saber até onde vai o voto impugnador e onde começa a responsabilidade do governo Boric na entrega da faixa presidencial à oposição.

"O governo se esforçou para reagir a algumas demandas que não existiam quando o presidente Boric foi eleito", explica ele. "Ele foi eleito com demandas de mudanças sociais, com demandas progressistas, e, agora, sai com demandas conservadoras."

"O governo Boric tentou se adaptar, mas um pouco tardiamente, com dificuldade, com problemas de gestão e esta agenda claramente não está no seu DNA. É uma agenda muito mais natural para uma opção de direita."

"Por isso, acredito sinceramente que o governo não poderia ter alterado este destino", afirma Tironi.

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A militância comunista e a representação da continuidade do governo do atual presidente chileno Gabriel Boric pesaram contra a candidata da esquerda, Jeannette Jara

Mas Jeannette Jara trazia mais um peso: sua militância comunista.

Administradora pública de origem popular, Jara não conseguiu afastar este rótulo, mesmo tendo prometido renunciar ao seu partido, se fosse eleita presidente do Chile.

Analistas acreditam que este fator representou uma desvantagem considerável para a candidata.

"Ser militante comunista é uma dificuldade, não tenho nenhuma dúvida disso", afirma Walker. "Existem muitas pessoas que realmente não se sentem à vontade para votar em uma candidata comunista. E temos dois milhões de votos de diferença."

Mas ela destaca que a ex-ministra conseguiu se desvincular em grande parte desse ativismo.

Cavallo acrescenta que "não estou falando dos dotes pessoais de Jara, nem de nada neste sentido, mas eleger uma militante comunista é um contrassenso mundial, não mais local. Isso limitava seu potencial e explica por que sua derrota foi tão severa."

Já Tironi acredita que, se observarmos os resultados, este fator não foi tão determinante. Para ele, "talvez no mundo rural, mas no mundo urbano, sobretudo em Santiago e em Valparaíso, foi pouco".

"Porque Jara rompeu um pouco o telhado de vidro do comunismo. Ela conseguiu vencer em muitos municípios populares importantes, um eleitorado que não se deixou levar pelo estigma comunista", declarou Tironi.

"O que, sim, é verdade é que, nos municípios mais ricos e no mundo rural, este fator deve haver pesado, pois Kast chegou a ganhar cerca de 85% dos votos nos municípios do que chamamos de 'bairro alto de Santiago'."

4. 'Votos emprestados'

Apesar do seu triunfo histórico, José Antonio Kast não foi um fenômeno por si próprio. No primeiro turno, ele obteve apenas 23% dos votos, abaixo dos 27% conseguidos na mesma eleição, em 2021.

Para a vitória de domingo (14/12), foi importante o apoio de outras figuras da direita que disputaram o primeiro turno, como o libertário Johannes Kaiser, representante de uma linha mais dura, e a defensora da direita tradicional, Evelyn Matthei, que encarna a visão política do ex-presidente Sebastián Piñera (1949-2024).

Kaiser e Matthei ofereceram seu apoio inequívoco a Kast, da mesma forma que a família de Piñera.

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Johannes Kaiser ficou em quarto lugar no primeiro turno das eleições chilenas, com 13,94% dos votos. Ele apoiou Kast no segundo turno.

Sempre se diz que os votos não são transferidos automaticamente. Mas o certo é que, se olharmos os números, tanto os votos de Kaiser quanto os da maioria dos eleitores de Matthei passaram para o republicano.

Da mesma forma, é possível observar preliminarmente que pelo menos uma parte dos votos de Parisi também se destinaram a Kast.

O presidente eleito agradeceu a todos eles e aos seus "votos emprestados", na noite da eleição.

"Muito obrigado aos que se somaram no segundo turno", declarou Kast. "Obrigado aos que votaram em outras candidaturas e hoje, livremente, decidiram apoiar este caminho de mudanças."

"Unidos, conseguimos uma maioria histórica."

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Franco Parisi não declarou seu apoio a nenhum dos dois candidatos no segundo turno das eleições presidenciais chilenas

No mundo da direita, o presidente eleito foi alertado sobre o risco de se embriagar com seu triunfo tão contundente. Este quadro traz consigo vários desafios para seu futuro governo.

Para sustentar sua base de apoio, Kast precisará conciliar as visões opostas de país, defendidas pelos diferentes setores da direita com quem terá que governar.

O novo presidente não terá maioria no Congresso. Por isso, ele precisará garantir a governabilidade com seus próprios votos, do Partido da Gente de Parisi e da oposição para aprovar suas políticas.

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Por outro lado, será fundamental que o governo Kast ofereça resultados oportunos nos temas definidos como suas prioridades, para evitar uma rápida perda de apoio da população.

Sobre este tema, Walker destaca que "todos os presidentes ganham com votos emprestados" e que o relevante é que "temos, atualmente, o país completamente pintado de azul [a cor do partido do governo eleito] e isso é impressionante."

"Se este é um sinal de adesão à figura de Kast ou não, não sei se é muito relevante. O importante é que existe uma coalizão de direita, liderada por ele, que foi capaz de derrotar a esquerda de forma substancial, com uma diferença de dois milhões de votos."

Somente a partir da posse, no dia 11 de março, poderemos saber se Kast será capaz de fazer deste triunfo eleitoral um ativo duradouro.