O Nobel que caiu em desgraça por defender que negros são menos inteligentes sem respaldo científico
James Watson entrou para a história da ciência moderna com suas descobertas revolucionárias, mas caiu em desgraça por seus comentários sem sustentação científica, relacionando inteligência à etnia.
11:45 | Nov. 18, 2025
As pesquisas e descobertas científicas de James Watson (1928-2025) abriram as portas para ajudar a explicar como o DNA se reproduz e transporta as informações genéticas, definindo as bases para os rápidos avanços da biologia molecular.
Suas pesquisas valeram a ele o Prêmio Nobel de Medicina de 1962, ao lado de Maurice Wilkins (1916-2004) e Francis Crick (1916-2004), pela descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA.
As ideias do cientista americano, falecido na semana passada, no dia 7 de novembro, com 97 anos, trouxeram reconhecimento mundial, mas também fizeram com que ele caísse em desgraça.
Em janeiro de 2019, Watson perdeu seus títulos honoríficos, depois de afirmar, em um documentário transmitido pela televisão, que os genes influenciariam uma suposta diferença nos resultados médios, em testes de inteligência ou de quociente intelectual, entre negros e brancos.
Essas ideias, como ele próprio admitiria depois, não têm base científica.
Watson havia trabalhado por décadas no laboratório Cold Spring Harbor de Nova York, nos Estados Unidos. Mas, naquele momento, a instituição afirmou que seus comentários eram "infundados e imprudentes".
Declarações polêmicas
Comentários preconceituosos
Aquele não foi o primeiro comentário controverso de Watson sobre um suposto vínculo entre etnia e inteligência. Ele já havia afirmado, anos antes, que os africanos seriam menos inteligentes que os europeus.
Em 2007, o cientista trabalhava no laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, quando declarou ao jornal britânico The Times seu "pessimismo em relação ao futuro da África". Ele afirmou que "todas as nossas políticas sociais estão baseadas no fato de que sua inteligência é a mesma que a nossa, quando todas as provas indicam que, na realidade, não é assim".
Apesar da reação negativa inicial, depois de publicar suas desculpas, Watson conseguiu manter seus títulos honoríficos, como reitor emérito, professor emérito Oliver R. Grace e membro honorário do laboratório Cold Spring Harbor.
Watson também sugeriu que a humanidade poderia eliminar as pessoas "estúpidas" por meio de testes genéticos. Depois, deu uma entrevista que causou o maior dano à sua reputação.
Ele afirmou que "quando você entrevista pessoas gordas, se sente mal, porque sabe que não vai contratá-las". E se perguntou em voz alta se a beleza não apenas poderia — mas deveria — ser incentivada geneticamente.
O cientista também foi duramente criticado por dizer que as mulheres deveriam ter o direito de abortar o feto caso existisse um teste capaz de comprovar que ele seria homossexual.
Ele argumentou que apenas defendia o direito de escolha — que seria igualmente aceitável desejar um filho homossexual — e que era simplesmente natural querer ter netos.
Afastou muitos colegas de profissão ao chamar outros acadêmicos de "dinossauros", "fracassados", "fósseis" e "superados" em sua autobiografia 'Avoid Boring People' (Evite Pessoas Entediantes, na tradução literal para o português).
Em 2019, fez confirmou sua visão preconceituosa com novas declarações ao programa de TV American Masters: Decoding Watson ("Mestres americanos: decodificando Watson", em tradução livre), da rede pública PBS, dos Estados Unidos.
O cientista declarou que mantinha inalterada sua visão sobre etnia e inteligência.
Depois disso, o laboratório Cold Spring Harbor cassou todos os seus títulos, além de decidir romper todos os vínculos com Watson.
"As declarações do Dr. Watson são repreensíveis e carecem de respaldo científico", declarou o laboratório, em um comunicado.
O texto acrescentava que as palavras do cientista anulavam o pedido de desculpas publicado anteriormente.
Naquela época, Watson já tinha mais de 90 anos. E, segundo a imprensa americana, ele vivia em uma casa de repouso, onde se recuperava de um acidente automobilístico, com consciência "mínima" do seu entorno.
Nascido em Chicago, no Estado americano de Illinois, o acadêmico também declarou que as pessoas não deveriam ser discriminadas pela sua etnia, pois "existem muitas pessoas de cor que são muito talentosas".
Suas palavras geraram uma enxurrada de críticas. Watson foi igualmente condenado por políticos e cientistas.
O Museu de Ciências de Londres cancelou uma conferência do pesquisador e o laboratório Cold Spring Harbor o suspendeu temporariamente. A diretoria da instituição acabaria decidindo, mais tarde, pela sua destituição como reitor.
Naquele mesmo ano, Watson se desmentiu e pediu desculpas pelas suas palavras, durante o lançamento de um livro na sede da Sociedade Real Britânica.
"A todos os que deduziram, do que eu havia dito, que a África, como continente, é geneticamente inferior, a todos eles, peço desculpas", declarou ele. "Não é o que eu quis dizer. Não existe base científica para essa afirmação."
O cientista tentou colocar a culpa do ocorrido no jornal britânico que o entrevistou. Ele explicou que sua declaração teria sido publicada de forma que não refletia corretamente suas ideias.
"Entendo perfeitamente por que as pessoas, ao lerem aquelas palavras, reagiram desta forma", prosseguiu Watson.
Ao saber desta declaração, um porta-voz do jornal The Sunday Times confirmou o conteúdo da publicação e destacou que a entrevista havia sido gravada.
A venda da medalha do Nobel
Em 2014, Watson também havia sido notícia por sua decisão de vender a medalha de ouro do Nobel. Foi a primeira vez na história em que um vencedor do prêmio fazia algo semelhante.
A medalha foi a leilão e adquirida por um multimilionário russo. Ele pagou US$ 4,8 milhões (cerca de R$ 25,5 milhões) e imediatamente a devolveu a Watson.
O cientista declarou em um comunicado na ocasião que sua intenção era dedicar parte da receita ao financiamento de projetos nas universidades e instituições científicas onde estudou e trabalhou ao longo da carreira.
"Desejo fazer mais doações filantrópicas ao laboratório Cold Spring Harbor, à Universidade de Chicago e ao Clare College de Cambridge, para seguir colaborando para que o mundo acadêmico continue sendo um ambiente onde prevalecem as grandes ideias e a decência", afirmou ele.
Naquele mesmo ano, o biólogo molecular declarou que havia sido excluído da comunidade científica depois de ter formulado seus comentários sobre etnia.
Watson nasceu em Chicago em abril de 1928, filho de Jean e James, descendentes de colonos ingleses, escoceses e irlandeses.
Aos 15 anos, ele conseguiu uma bolsa para estudar na Universidade de Chicago. Ali, ele se interessou pela inovadora técnica da difração, na qual os raios X eram refletidos pelos átomos para revelar suas estruturas internas.
Para prosseguir com suas pesquisas sobre as estruturas do DNA, ele se transferiu para Cambridge, onde conheceu Crick. Os dois cientistas começaram a construir modelos em grande escala de possíveis estruturas de DNA.
Após sua descoberta científica, Watson e sua esposa, Elizabeth, se mudaram para Harvard, onde ele passou a ser professor de biologia. O casal teve dois filhos.
Em 1968, Watson assumiu a direção do laboratório Cold Spring Harbor, no Estado americano de Nova York, uma antiga instituição considerada um dos institutos de pesquisa mais importantes do mundo.
*Com informações de Madelin Halpert.