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VERSÃO IMPRESSA

Desembargador tentou ocultar patrimônio, diz Polícia Federal

2017-04-17 01:30:00
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A posentado e na condição de investigado, o desembargador Váldsen Pereira pergunta à secretária do cartório, por telefone, sobre o email enviado. O material, porém, não havia chegado à destinatária – por engano, ele digitou um ponto a mais no endereço eletrônico. No anexo da mensagem estava a documentação de uma casa em Natal (RN), que ele tentava retirar de seu nome e transferir para dois netos. Foi o que avaliaram os investigadores federais. O desembargador não sabia que estava com o sigilo telefônico quebrado, por ordem judicial. Num trecho da ligação, Váldsen faz a recomendação à funcionária do cartório:

 


VÁLDSEN: Pois eu mandei (UM EMAIL). Agora, você diz à (MENCIONA OUTRA FUNCIONÁRIA) que vai ser só no nome dos dois meninos.


FUNCIONÁRIA: Hamm!


VÁLDSEN: Vai ser no nome da (NETA) não, só no nome dos dois meninos, viu?


FUNCIONÁRIA: Certo, certo!

 

VÁLDSEN: Aí eu vou enviar novamente, vê se chega aí.


FUNCIONÁRIA: Mas ela disse que está precisando da matrícula atualizada, o senhor tem que pedir lá pra pessoa mandar para o senhor.

A ideia da transferência de propriedade parece clara aos policiais na gravação. “Depreende-se do exposto a sinalização de início de tratativas para transferência de algum imóvel que pertenceria ao investigado Váldsen, localizado na cidade de Natal (RN)”, descreve o relatório policial. Os federais consideram que, nas ligações para o cartório, o desembargador aposentado tentava “ocultar patrimônio”. É como está mencionado no relatório. A funcionária até cobra para que ele envie a matrícula atualizada do imóvel, que estaria atrasada. Noutro telefonema com a mesma funcionária do cartório, confirma já ter mandado “as identidades dos “meninos” (um de cinco, outro de sete anos).


A ligação é de agosto do ano passado, de uma série de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal com autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na continuidade das investigações da operação Expresso 150. O POVO teve acesso a trechos sigilosos dos autos do inquérito 1.079/DF, que tramita na Corte de Brasília, em pontos da investigação referentes apenas ao desembargador Váldsen. Deflagrada em junho de 2015 pela Polícia Federal, a Expresso 150 investiga a negociação de sentenças judiciais entre desembargadores e advogados dentro do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Os magistrados receberiam até R$ 150 mil por liminares vendidas.


Váldsen já estava no radar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2014, por “decisões atípicas”, mas só foi levado para depor em condução coercitiva na segunda fase da Expresso 150, em setembro de 2016, rebatizada de Cappuccino. Nas liminares de Váldsen sob suspeita, ele ordenava que a PM aceitasse alguns candidatos até reprovados ou acusados de roubo e homicídio. Laudos contábeis da investigação rastrearam que o magistrado teria recebido pelo menos R$ 107 mil por supostamente negociar algumas de suas decisões. A prova consta nos autos da Expresso 150. Váldsen se aposentou em maio daquele mesmo ano, após completar 70 anos, mas de lá pra cá seguiu sendo monitorado.

 

Vendido à Igreja

Em outro áudio, Váldsen estaria “obstaculizando” (outro termo do documento) o trabalho de peritos federais na avaliação de um terreno na praia do Cumbuco, confiscado judicialmente. Por telefone, o perito da PF diz ao desembargador que não consegue achar três terrenos:

 

PERITO: Tem uns três terrenos num loteamento que a gente não conseguiu achar. Um que o senhor desmembrou em sete. Vendeu pra um... negócio dos jesuítas eu acho...


VÁLDSEN: É...pra Igreja!


PERITO: Isso! Só que aí a gente passou lá na rua, mas não tem o... Está sem terreno lá, terreno B, não tem o número da rua direito e tal.


Numa conversa com um dos advogados, o desembargador admite ter construído uma casa para a filha, num de seus terrenos, sem ter requerido alvará para a liberação da obra. Também por isso admite não querer informar onde são localizados os terrenos, embora fossem bens adquiridos antes das acusações de corrupção contra ele. A conversa é também ressaltada no relatório, embora não ganhe maior relevância.


VÁLDSEN: As quitinetes, acho que era até bom indicar onde eram, viu. Mas os terrenos não vou dizer porque tem uma casa que eu fiz, que não...fiz sem autorização, sem alvará da prefeitura, viu! Eles vão bater foto e tudo e aí fica complicado, embora esses terrenos todos sejam coisas anteriores ao fato, né!


ADVOGADO: Claro!

 

O advogado inclusive reafirma a orientação para que o desembargador colabore “com tudo que estiverem pedindo”. E admite que “essa questão de estar sem alvará, eu não sei se isso poderia implicar em alguma coisa”. Váldsen concordou.


Como apenas Váldsen Pereira é o que está na condição de investigado, O POVO opta por preservar o nome das demais pessoas que participam das conversas ou são mencionadas nos relatórios policiais. As interceptações foram autorizadas pelo ministro Herman Benjamin, do STJ.


Saiba mais

 

Além de Váldsen Pereira (aposentado), os outros desembargadores do TJCE alvo da operação Expresso 150 são Paulo Camelo Timbó (aposentado), Sérgia Maria Mendonça Miranda (afastada) e Carlos Rodrigues Feitosa (afastado) e Francisco Pedrosa Teixeira (afastado). Todos negam as acusações feitas nos autos da operação Expresso 150. Carlos Feitosa e pelo menos nove advogados já são réus na Ação Penal 841/DF, no STJ.

 

A Expresso 150 nasceu de uma investigação anterior dos federais, aberta dois anos antes, sobre a atuação de traficantes de drogas no Ceará. Nas interceptações telefônicas junto aos criminosos, foi descoberto que desembargadores e advogados negociavam o valor de liminares, concedidas nos plantões judiciários, para libertar os traficantes.

 

O suposto ingresso irregular de candidatos à Polícia Militar, com liminares concedidas por Váldsen Pereira, é referente ao concurso realizado em 2008. O desembargador concedeu à época, em 2012, decisões favoráveis a pelo menos 122 candidatos – depois suspensas. O material foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça e depois agregado ao combo da operação Expresso 150.

Demitri Túlio, Cláudio Ribeiro

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