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Ameaça, promessa e mentira

2017-07-25 01:30:00

O aumento dos impostos sobre combustíveis desnudou o governo Michel Temer (PMDB) do ponto de vista ideológico, da gestão e da relação com a opinião pública. Em outubro do ano passado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, dizia que, caso não fosse aprovada a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto de gastos, haveria aumento de impostos. Em 30 de setembro, Temer falou que não haveria aumento de impostos caso a PEC fosse aprovada. Na semana passada, o aumento de impostos se concretizou. Atingiu os combustíveis, o que se espalha em cadeia afetando os preços de toda a economia.


A ameaça do aumento de impostos foi usada primeiro como ameaça. A PEC do teto de gastos era apresentada como solução. Ele foi aprovada, está em vigor. Entre seus efeitos, o fechamento de farmácias populares, retirada de financiamento para pesquisa científica, cortes nas universidades que atingem apoio a moradia e alimentação para estudantes, redução da fiscalização nas estradas e contra trabalho escravo, além da suspensão da emissão de passaportes. Mesmo assim, não se conseguiu evitar o aumento de impostos.


“A população vai compreender, porque esse é um governo que não mente”, disse Temer sobre o aumento de impostos. Pois sim.


O PORQUÊ DO AUMENTO

Primeiro, o contrassenso: é ridículo, absurdo e inaceitável o aumento de impostos enquanto o governo promove derrama de dinheiro no Congresso Nacional, por meio das emendas parlamentares, para dar sobrevida ao presidente. O velho mecanismo de irrigar de recursos os redutos eleitorais dos parlamentares, com ações das quais possam se favorecer eleitoralmente.

A ONG Contas Abertas mostrou que no mês de julho, que ainda nem terminou, o valor liberado em emendas já equivale a todo o primeiro semestre. De janeiro a junho, foram R$ 2,12 bilhões. Em três semanas de julho, R$ 2,11 bilhões.


Diante disso, o aumento de impostos vem para alcançar a meta fiscal. Mesmo com teto de gastos, o governo não conseguiu a pretendida economia. Então, precisa arrecadar mais e faz isso tirando da população, sua única fonte de receita. Uma vez que a projeção da equipe econômica se mostrou furada, não seria mais lógico rever a meta?


Isso não é feito porque a percepção do mercado internacional sobre o Brasil depende de confiança. E isso passa por saber que a regra não será mudada no meio do jogo. É engraçado dizer isso em um País no qual a presidente sofreu impeachment há menos de um ano e no qual o sucessor é alvo de denúncia. Enfim, mas para os mercados internacionais, de onde o Brasil espera que venham investimentos, é importante a sinalização de que as metas estabelecidas serão alcançadas.


Isso é importante mesmo. A quebra de regras pode ter consequências sérias para a economia. O resultado pode ser mais recessão, mais desemprego. Enfim. Porém, não pode ser a todo custo. O impacto do aumento é elevado. E o dos cortes promovidos é drástico. Áreas essenciais são afetadas.


O que me admira em tudo isso é o quanto há receio em dar qualquer sinal que possa despertar desconfiança para o mercado. Mas, em relação às promessas feitas à população, descumpre-se sem muita cerimônia.


DESFAÇATEZ

A velocidade com que o aumento anunciado se fez sentir nos postos de combustível é sintoma do quão predatório é esse mercado. Fica difícil falar em livre concorrência e autoregulamentação nesse cenário.

 

Quando há redução do preço dos combustíveis, o repasse ao consumidor demora... Postos argumentam que há estoques antigos, comprados a preços mais altos. Porém, quando é para aumentar, aí não tem estoque. O combustível vendido é novinho, recém-saído da refinaria. Uma canalhice só possível pela existência de cartéis.


Na última sexta-feira, na Globonews, uma analista explicava o aumento e um telespectador fez pergunta muito pertinente: por que quando há aumento de combustíveis os preços de todos os produtos ficam mais altos, como os alimentos, mas quando há redução do preço, isso não é repassado para os outros produtos? (Vale para combustíveis e para muito mais: lembram do fim da CPMF?) A analista gaguejou um pouco e disse que não era possível baixar o preço dos produtos comprados quando a tributação estava mais elevada.


Ora, a questão não é baixar o preço daquilo adquirido com tributação mais elevada. Mas, que isso ocorresse ao menos quando chegassem aqueles adquiridos com menos peso de imposto. Em regra, a redução da carga tributária para o consumidor chega sabe quando? Nunca.

 

Érico Firmo

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