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Teste de força

2017-04-26 01:30:00
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Na semana para a qual está convocada greve geral contra as reformas, o governo Michel Temer (PMDB) tenta hoje dar demonstração de força em momento de profunda fragilidade. A Lava Jato debilitou o capital político do Palácio do Planalto. A população já não aprova a administração que está aí e o meio partidário passou a ver com profunda desconfiança a capacidade do presidente de fazer valer suas propostas, diante das denúncias que o atingem. Era esperada a tranquila aprovação de ontem da reforma trabalhista na comissão especial da Câmara dos Deputados. Ao confirmar a votação em plenário para hoje, os articuladores da base aliada demonstram convicção de que terão os votos necessários. Derrota a essa altura seria desastrosa para a estabilidade do governo. O que já está fraco desmoronaria de vez. Temer precisa mostrar força, sobretudo para dar sinais de que poderá aprovar reforma ainda mais importante que a trabalhista: a da Previdência. Não há resultado possível para o Planalto que não uma vitória com alguma folga. Afinal, a reforma da Previdência implica em mudança na Constituição. Precisa de mais votos. Placar apertado hoje não é sinal positivo para o porvir.


BAQUE POLÍTICO

O anúncio da oposição do PSB às reformas trabalhista e da Previdência tem reflexos simbólicos e outros bastante práticos. Para começar, trata-se do partido mais à esquerda na base governista. Esteve junto do PT durante quase todos os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quase tanto quanto o PMDB… Seu apoio a medidas a tal ponto impopulares nesse campo político tinha peso para além dos votos em si. Há receio de que PPS e PTB, por exemplo, possam tomar posição semelhante. A perda desse suporte é, portanto, emblemática como sinalização a um setor. E mais ainda do ponto de vista do número de votos. A dúvida é saber se a orientação do comando será seguida. Há grupo leal ao Planalto. Ontem, os membros do partido na comissão votaram a favor da reforma.

 

DIFÍCIL REFORMA

O governo Temer já cedeu bastante na reforma da Previdência, mas ainda passa muito longe de ter os votos necessários. Precisa de 308. Hoje, tem 76 votos declarados, segundo o placar elaborado pelo jornal O Estado de S.Paulo. Para a emenda à Constituição passar, o governo precisa dos votos de todos os indecisos, todos os que não quiseram declarar votos e ainda de oito deputados que hoje declaram voto contra a reforma.

 

A quantidade de deputados que se declararam contrários já foi muito maior. Hoje são 213. A maioria - 224 - são parlamentares que não declararam posição ou se disseram indecisos. Esses têm tendência maior a votar a favor da reforma. Não se manifestam publicamente para não atrair rejeição antecipada. Considerando que esses votos tendem a estar mais perto do governo que da oposição, os oito votos que faltariam para virar não são lá grande coisa no universo de 513 e diante dos instrumentos de convencimento de que dispõe o governo - cargos e verbas. As mesmas armas que o PT usava e era criticado pelos que estão hoje do governo, assim como o PSDB usou antes, sob críticas petistas.


Em cenário tão complicado, perder votos é tudo que o governo não precisa.


A POLÍTICA ENVERGONHADA

Millôr Fernandes dizia: “Sou contra a extrema-direita, contra a extrema-esquerda e, sobretudo, contra o extremo centro”. Na França, o segundo turno da eleição presidencial confronta Marine Le Pen, da extrema direita, e Emmanuel Macron. Ele é o que se poderia chamar extremo centro.

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Tanto um como outro, aliás, procuram se esquivar de rótulos. Até Le Pen, direitista por retórica, história e DNA, tenta evitar se vincular a ideologias. O liberal Macron faz o mesmo. O Brasil conhece em João Dória (PSDB) o mais bem-sucedido exemplo dessa forma de política que tenta negar ser política. O próprio Donald Trump é expoente dessa espécie em escala planetária.


Uma das grandes artimanhas da marquetagem politiqueira dessa metade da década parece ser apresentar os políticos como não-políticos. Como retórica, uma grande empulhação.

 

Érico Firmo

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