PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

Arquiteturas ancestrais

2017-03-14 01:30:00
NULL
NULL

Emílio Odebrecht disse ontem algo que não é novidade para ninguém, mas é sempre sintomático por vir de quem vem e, também, pelo que revela sobre a escala da situação. Ele afirmou que o caixa dois “sempre foi o modelo reinante no País”. Existia na época do pai dele, fundador da empreiteira, Norberto Odebrecht. Prosseguiu com o filho.


Esse é o alicerce sobre o qual o Brasil foi construído. Os esquemas criminosos entre público e privado, mancomunados para direcionar negócios estatais e desviar dinheiro público, não da essência dos grandes empreendimentos nacionais.


Quando se fala de caixa dois há muito mais coisa por trás. A coluna tratou do assunto no último sábado (leia acessando este link: http://bit.ly/caixas2). O maior problema não é o dinheiro está fora da prestação de contas. A real questão não é o dinheiro deixar de ser contabilizado. Há ginástica jurídica para transformar crime contra o patrimônio público em questão contábil. É muito pior do que isso.


Não há caixa dois sem sonegação, lavagem de dinheiro, corrupção, propina, troca de favores. O problema nesse tipo de prática não é o fato de a doação ser mantida em segredo. É o que a doação revelaria se viesse a público. Isso nem sempre as investigações são capazes de apontar. Mas, é o cerne da questão.


A fala de Emílio sobre o “modelo reinante” desmonta o discurso de PSDB e DEM de que o esquema petista é algo sem precedentes. A fala do empreiteiro não livra o PT, longe disso. Há crimes inequívocos, em escala gigantesca e que precisam ser punidos. Porém, o discurso da ex-oposição pretendia, isso sim, livrar a cara dos respectivos partidos. Tinha intenção de poupar as gestões tucanas. Ocorre que também têm culpas. Não se pode ser seletivo. Quem recebeu propina, quem cometeu crime deve ser alcançado. Distinção dos esquemas conforme o partido que governa atinge a objetivos políticos, mas não condiz com a realidade.


O esquema petista pode ter sido sem precedentes na história brasileira, como denunciam os adversários. Pelo que se descobriu até agora, efetivamente é. Como é possível que tenha havido coisa pior em governos anteriores e sobre as quais nunca se teve informação ou comprovação.


O fato é que esse ranking de escândalos é irrelevante do ponto de vista penal. Do ponto de vista do interesse público, a ficha de filiação do criminoso é irrelevante. Quem cometeu desvio deve ser punido e ressarcir o erário. Essa comparação sobre quem roubou mais ou roubou menos corresponde a desvirtuado debate politiqueiro do mais baixo nível.


A Lava Jato deu inestimável contribuição ao Brasil ao expor as entranhas das relações criminosas que financiam o poder e garantem o controle das grandes obras públicas a monopólio de empreiteiras. Ela será tão mais forte quanto menos se prestar a distinções partidárias e interesses políticos. Infelizmente, essa mistura é cada vez maior.


A BRIGA PELA TRANSPOSIÇÃO

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) devem ir à Paraíba no próximo domingo, dia de São José, para, como definiu o colega Plínio Bortolotti, uma “inauguração alternativa” do primeiro eixo da transposição.

Lula tem o inegável mérito de ter começado a obra. Prometeu terminá-la antes de deixar o poder. Dois mandatos presidenciais depois, ela não estar concluída. Depois que ele saiu do governo, os trabalhos andaram mais rápido.


Ciro, por sua vez, também tem seus méritos. Ele foi ministro da Integração Nacional na época da elaboração do projeto. Comprou as principais brigas, que não foram poucas. Porém, não conseguiu nem ao menos iniciar a obra. Ciro deixou a pasta em março de 2006, para se eleger a um frustrado mandato de deputado federal. Deixou no lugar seu então aliado Pedro Brito. O trabalho de iniciar a transposição coube a Geddel Vieira Lima (PMDB), que até outro dia foi ministro da Secretaria de Governo de Temer. Um baiano, justamente o Estado que mais se opõe à transposição. A história tem suas ironias.

[FOTO1] 

A transposição é história de poucos méritos e muitas explicações a dar. Ao deixar de fazer menção aos governos que tocaram a obra durante nove dos dez anos de execução é infantil. Todo mundo sabe que a transposição não começou com Temer. O PMDB estava no ministério no início dos trabalhos. Reconhecer os méritos dos antecessores não iria diminuir em nada o atual governo, pelo contrário. Todavia, como esses poderosos conseguem ser infantis!

 

Érico Firmo

TAGS