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Onde a coruja faz o ninho ou na placa do cachorro

2017-05-27 17:00:00

 

Final de tarde de sexta-feira. Atormentado em busca de uma linha de raciocínio para este texto da edição dominical, que chega às ruas na tarde de sábado. Interlocutores costumam dizer que a conjuntura está farta de matéria prima para o jornalista escrever. Qual nada. É apenas mais do mesmo da terrível crise que já nos conduz há anos. Minha pretensiosa decisão seria tentar elucidar algum padrão de futuro que possa se desenhar.



No campo da política, o que tinha em mãos para escrever era apenas um conjunto de possibilidades baseado em hipóteses. No popular, restava-me então “dar um chute”. Pode ser pra dentro, no ângulo, mas sempre com boas chances de a bola bater no cachorro. Era como o torcedor da década de 1970 caracterizava o chute desastrado do atacante cuja bola alcançava a placa de propaganda do extinto guaraná Wilson, no alto da arquibancada do Presidente Vargas. A marca usava a singela imagem de um pastor alemão abocanhando a garrafa esverdeada do refrigerante.

 


Procuro sempre escrever intercalando com a leitura do noticiário, que anda sôfrego. Foi quando me detive em um artigo de Marco Aurélio Nogueira, titular de Teoria Política da Unesp. O professor é um pensador de esquerda que escreve regularmente no Estadão e tem se notabilizado pelo raciocínio equilibrado e os pés fincados na realidade.


Apreciei seu último texto. Percorreu uma linha que gostaria de ter adotado, mas o professor o fez com muito mais competência do que seria eu capaz. Creio que não se incomodará (e nem os leitores) se aqui reproduzir pontos do seu “Providências para que se administre a crise”. Vamos lá.


Nogueira dividiu suas “providências” em dez pontos que resumo a seguir.
1) Os que são contra o governo precisam vir a público e dizer que os mascarados não os representam... Ficar deitando falação contra a “repressão militar” que teria feito a democracia sangrar e nos ameaçaria com um “estado de exceção” só serve para desopilar o fígado dos ressentidos.


2) Deve-se dar aos fatos o justo peso e a justa dimensão. Não inflacioná-los ao bel-prazer como se fosse matéria plástica. Um pouco de serenidade e rigor não faz mal a ninguém.


3) É preciso inventar formas novas de política, organizações de novo tipo, práticas inovadoras e espaços reflexivos plurais.


4) Não basta ficar no jargão da “nova política”. É preciso dar materialidade a ele, o que é algo de longo prazo, mas que deve começar desde logo.


5) Fazer política com mais seriedade e mais racionalidade. Liderada por pessoas como Gleisi, Randolfe, Renan e Lindbergh, a oposição parlamentar não sai do lugar e arrasta a esquerda para o fundo do poço.


6) ... Se há uma Constituição, que ela seja respeitada e seguida, até para que possa ser emendada ou eventualmente refeita. Desmanchar tudo em nome da “ruindade” e da falta de representatividade do atual Congresso é tão irresponsável quanto dizer que com a eleição direta de um novo presidente os problemas serão resolvidos.


7) Se Temer cair, teremos de pensar no curto prazo. Não é razoável que se ache que o País ficará bem se for aberto um longo processo de reformulação constitucional que dê abrigo a eleições diretas... Eleições diretas só fazem sentido se houver debate público, regras claras e tempo de preparação. Sem isso, são farsescas.


8) Fazer a devida análise concreta da situação concreta. Está escrito nas estrelas: os partidos principais – PT, PSDB, PMDB – não serão competitivos se não se reestruturarem fortemente, se não lavarem a roupa suja em público e confessarem seus crimes, pedindo desculpas à sociedade.

 


9) Olhar com cuidado para o que se apresenta como novidade... Outsiders não se improvisam: os melhores deles estão enraizados. Os piores morrem na praia e fomentam o deserto em torno deles. Vale o mesmo para a síndrome da extrema-direita. Ela está aí, ganhou força, mas não venceu em lugar nenhum.


10) Não dar credibilidade imediata ao que sai na imprensa, nem na nacional nem, sobretudo, na internacional. Jornais e jornalistas fazem o que podem, trabalham a quente e estão sujeitos à rápida mutação dos fatos, a interpretações várias e a informações extraídas de fontes muitas vez não confiáveis. Temos de buscar os melhores dentre eles, que são invariavelmente os mais equilibrados.


POR UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Em meio ao show de horrores, as virtudes não devem jamais ser esquecidas. Da parte que cabe ao Ceará, a Lava Jato enviou para investigação a suposta formação de cartel para a modernização do estádio Castelão. No rol de delações, falou-se que a obra foi alvo de combinação de preços para que a concorrência beneficiasse membros do fechado clube de empreiteiras.


Bom, foi um raro caso de combinação que deu com os burrinhos n’água. Na petição do ministro Edson Fachin enviada ao Ceará consta que um executivo da Odebrecht relatou um “acordo entre empresas do Grupo Odebrecht e Carioca Engenharia a fim de frustrar o caráter competitivo” da licitação.


Estaria no rol das normalidades verificadas nas bandalheiras nacionais se uma ou outra tivessem ganhado a licitação, feito a obra e conseguido elevar o preço final à estratosfera. Nada disso. Deu-se um fato raríssimo. Fez-se uma licitação com valor inicial de R$ 623 milhões, mas o custo final foi de R$ 518 milhões.


Foi o oposto do que ocorreu com todas as outras 11 arenas. Milagre? Também não. Por obra e graça do então secretário Ferruccio Feitosa, o Castelão foi a primeira arena a ser entregue e tudo sem que houvesse nenhum aditivo financeiro ao contrato. Nenhum.

 

Fábio Campos

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