E o riacho Aguanambi?
Nessas últimas chuvas boas, procurei lugar onde pudesse espiar vagalumes. Na Tavares Iracema, no fim das tardes nubladas, eles apareciam piscando e apagando em cima do capim brejado.
Quando se era menino e menina, enquanto alguém não nos convencia ou não percebíamos o constrangimento de aprisionar qualquer criatura, a gente colhia aquelas luzinhas aladas. Um bando de Sininhos.
Uma espécie meio mágica e prisioneira de garrafas transparentes ou de caixinhas de fósforo vazias, furadas para respirar. Lógico, os vagalumes amanheciam falecidos. Asas fechadas, patas para cima e, perto do fiofó, a “bateria” descarregada.
Mas mudou... Não há nas ruas, por onde vou, um pirilampo acendendo e apagando nas touceiras de junco. No Porangabuçu, apareciam no inverno. Apesar de serem bichos do verão.
Porque ainda havia, por ali, um bosque de quintal e um córrego ou riacho não aterrado ou debaixo do concreto.
A Cidade engordou pra cima dos rios, dos mangues, das dunas, das lagoas e do mar. O desenvolvimento econômico e o mito da metrópole.
E não há problema em Fortaleza se expandir e gerar dinheiro. Desde que o sustentável também saía ganhando e haja honestidade na proposição e prática. Vá um pouquinho além do discurso fácil da responsabilidade socioambiental oca.
Não é uma impressão. Tudo que foi construído no leito do Pajeú, por exemplo, foi em nome do fim do tempo da província e desafogamento do trânsito de veículos.
O coitado do riacho nem é visto mais pelas ruas de Fortaleza e pouca gente dá notícia dele. A não ser que chova de pau e alague.
E se perguntarem a uma menina ou menino por onde corre o Pajeú, vão dizer que nunca ouviram falar. Que nem sabiam se existe ou existiu.
Seu Benis, um ex-funcionário do O POVO e mais de 70 anos, me contou umas vezes sobre o riacho Aguanambi. Onde hoje é o supermercado Extra e onde nadava nas enchentes.
Era para Fortaleza ainda viver nua da cintura, descalça, solta e viver se banhando no Aguanambi?
Acho que não. Primeiro porque se encheria de curubas, frieiras entre os dedos, pano branco e muita impinge.
Depois, sendo a quinta capital mais populosa do País (grande coisa!) e outras frescuras, não ficaria bem tomar banho num riacho...
Pelejo para não frescar com a falta de vocação que temos para árvores, rios, bichos silvestres, mangues... e nossa necessidade deslumbrada de desmatar, aterrar, concretar e asfaltar...
Pois. É quase impossível não se incomodar. A requalificação da Aguanambi não inclui a ressurreição do riacho. Não há em nenhuma placa da obra nem na maquete eletrônica qualquer aceno. Ele seguirá quase morto e mais concretado do que antes. Parece que nunca existiu pra Cidade, pra prefeitura, para os engenheiros e arquitetos...
DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br