6 pontos com Espedito Seleiro, mestre homenageado na CasaCor Ceará 2025

Nascido em 1939, em Arneiroz (CE), Espedito Veloso de Carvalho economiza em palavras, mas transborda um design de essência e personalidade

10:00 | Out. 22, 2025

Por: Larissa Viegas
Mestre Espedito Seleiro, artesão do couro em sua oficina (foto: TATIANA FORTES em 24-06-2017 )

O mestre da Cultura é o homenageado da CasaCor Ceará em 2025. Espedito Veloso de Carvalho, nascido em 1939, em Arneiroz, economiza em palavras, mas transborda um design que dialoga com diferentes estilos.

O ofício herdado

O menino Espedito cresceu dentro de uma oficina, em meio a couro, ciganos, tropeiros e itens como sela e gibão. O ofício de fazer itens para vaqueiro usar foi herança do pai, que por sua vez o aprendeu também com seu pai.

Sucessivamente, lá se vão algumas gerações, que anteriormente não viram suas criações além das fronteiras, senão sobre o lombo de um cavalo ou boi.

"Quando eles morreram, se acabaram no mesmo lugar onde eles existiam, trabalhavam. E eu digo: 'Eu quero deixar meu trabalho, eu só quero morrer quando eu deixar meu trabalho conhecido no Brasil e no mundo. E graças a Deus que deu certo", celebra o artesão com uma fala quase contida.

Já na própria oficina, com consciência e desejo de fazer diferente, adotou cores, formas e traços inconfundíveis, dando vida a itens que vão de sandálias a casacos, de bolsas a bancos.

O local de trabalho de Espedito e sua equipe conta também com uma loja onde é possível encontrar uma boa variedade de produtos.

Sempre tem bolsa, sapato, cela, gibão, baú, banco, cadeira… Tudo de pouquinho, ele explica. "E ainda tem equipamento para vaqueiro. só não tem o cavalo, mas o resto tem tudo aqui", ri.

Essência e personalidade

Devoto de São Francisco, explica que gosta muito do marrom e, por isso, todas as peças que faz, nem que o cliente não peça, coloca um detalhe na cor favorita. Já em suas parcerias, exige sempre a presença das cores e dos arabescos.

A originalidade rendeu convites para figurinos de novelas e filmes e o protagonismo em livros e teses, o que contribuiu ainda mais para a popularização de suas criações.

Alguns marcos comprovam sua transitoriedade entre diferentes universos, como a criação de alguns figurinos para o filme "O Auto da Compadecida", no ano 2000. Em 2005, desenvolveu bolsas e calçados para desfile da Cavalera na São Paulo Fashion Week.

Dez anos depois, firmou uma parceria na feitura de móveis com os irmãos Campana. Em 2019, esteve no Carnaval carioca pela Escola de Samba "União da Ilha do Governador", como convidado de uma ala onde os brincantes vestiram seu artesanato em couro.

E relembra outro fato: "A gente foi fazer a exposição lá em Londres (em 2019), naquele meio de mundo. Chegamos e já tinha gente usando as peças nossas lá. Mas eu acho que não é porque eu sou bonito ou feio ou melhor do que os outros, não. É o trabalho que é diferente, viu?", alerta.

Entre anônimos e famosos

Foi preciso fazer uma pesquisa para listar os nomes conhecidos que têm pelo menos um item assinado por Espedito Seleiro no guarda-roupa. Tudo porque o próprio homenageado diz não poder "considerar ninguém melhor do que outro, mais bonito, mais famoso, não, viu?".

"Tem muitas pessoas que usaram o trabalho nosso e a gente ainda agradece muito a Deus e a essas pessoas que ajudaram. Só que eu não posso falar o nome porque tu sabe como é que é, né?", ri Espedito.

A lista é extensa, mas basta dizer que Anitta usou um figurino de Espedito em show; João Gomes (foto) foi de gibão e chapéu para uma edição do Grammy Latino; e o estilista Ronaldo Fraga encomendou com o seleiro sandálias para usar no próprio casamento.

Mestre da Cultura

Espedito coleciona títulos estaduais e nacionais, entre eles:

  • Mestre da Cultura Tradicional Popular do Ceará, concedido em 2008;
  • a Ordem do Mérito Cultural (OMC), a maior honraria pública nacional, em 2011 e em maio deste ano; e
  • o título de notório Saber em Cultura Popular, das Universidades Estadual e Federal do Ceará, em 2016 e 2019, respectivamente.

Em 2014, transformou o seu ateliê no Museu do Ciclo do Couro, em Nova Olinda, Região do Cariri. No espaço é possível conferir o acervo pessoal do mestre, como máquina de costura herdada do bisavô, peças autorais e todas as homenagens e condecorações.

"(Essas homenagens) representam muita coisa boa, era isso que eu queria. Eu fico alegre e agradeço a Deus por isso. Tem que agradecer, porque é muito bom a gente ver as pessoas valorizando, mostrando o trabalho e usando também. Não é só mostrando, não, é usando também", declara.

Cópias

Assim como é fácil reconhecer uma peça assinada por Espedito, é também comum se deparar com cópias e inspirações. Lisonjeado com o momento de valorização e reconhecimento de seu trabalho, diz que Deus atendeu aos seus pedidos.

"Porque você estar numa profissão que o povo não dá valor, é horrível. A gente não tem como continuar no trabalho, né? Mas graças a Deus que o nosso deu certo".

E completa: "O povo acho tão interessante que até as cópias já tem para caramba por aí, por meio do mundo. O povo só copia (sic) o que é bom, porque copiar o que é ruim não adianta para nada".

Inúmeras vezes, o mestre afirma que não trabalha sozinho e agradece à imprensa por ajudar a divulgar o trabalho.

Em família

Assim como foi criado dentro de uma oficina, Espedito também mantém filhos e netos por perto. Segundo ele, é por isso que não para, são essas pessoas que sempre o ajudam.

"(A gente) se acostuma dentro da oficina com o cheiro do couro. E aí também não me larga, não. O grupo que eu tenho já meio grande e é tudo da família, viu?", afirma.

A equipe de "trinta e tantas" pessoas, como diz, conta inclusive com dois netos que "o trabalho faz gosto", aos olhos do avô.

O artesão destaca que ainda falta um pouco de confiança nas criações autorais dos mais novos, mas acredita que quando não estiver mais aqui, eles vão "se confiar e se garantir".

"Você sabe quando a gente tá num grupo que tem uma pessoa que comanda, a gente se acha mais baixo do que aquela pessoa, mas os meninos são bons, viu?", reforça o mestre da cultura, convicto. Sobrinhos e irmãos também integram a equipe.

"Nós 'mora' numa cidade pequenininha que não dá emprego pro pessoal. E graças a Deus que eu amparei os meus mais chegados, os filhos, os netos, irmão, sobrinho. A gente não enrica, mas também não passa fome".