Show dos Titãs em Fortaleza: Quero envelhecer como um titã
Em "Encontro" de 40 anos em Fortaleza, Titãs mostram por que podem até não ser a melhor banda do Brasil — mas são definitivamente a maiorHouve um tempo em que os Titãs vinham a Fortaleza e abriam o show com "Sonífera Ilha", tocavam "Sonífera Ilha" no meio e encerravam a apresentação com "Sonífera Ilha", para delírio do público. Isso segundo Paulo Miklos, um dos cinco vocalistas da maior banda do rock brasileiro.
Ele se refere a 1984, quando os Titãs estouravam no Brasil com o álbum homônimo e eu nem sequer era nascido. Isso foi 39 anos atrás. Mas podia ter sido no sábado.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
A turnê "Encontro" é o reencontro dos sempre Titãs Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto com os eternos Titãs Arnaldo Antunes, Nando Reis, Paulo Miklos, Charles Gavin e Marcelo Fromer — este representado pela filha Alice Fromer e pelo megaprodutor Liminha.
Em cerca de 2 horas de show, com tantas músicas quanto pessoas pouco confiáveis têm de dentes, os Titãs brincam de ser atemporais. Pouco importa as décadas de trajetória irregular. Nada importa os conflitos que resultaram na saída de diversos membros. São sete roqueiros capazes de botar de volta o sexy em sexagenário.
Em Fortaleza, o palco foi montado no Colosso Wake Lounge, uma excelente estrutura que sempre parece ter acesso viário improvisado. Mas o clima de festival de rock numa noite com muito vento compensava até os drinques que esgotaram antes mesmo do Fab-8 puxar o primeiro acorde de "Diversão".
Música-síntese das próximas horas, a canção de cara mostra a energia infinita de Miklos. Em seguida, Arnaldo Antunes — o primeiro dos vocalistas a deixar o grupo — assume o vocal. Poeta, compositor, músico, artista plástico, o Tribalista era quem parecia mais feliz de voltar a ser roqueiro enquanto entoava "Lugar Nenhum".
Sérgio Britto puxa o microfone para "Desordem", antecedendo a bonita versão de Branco Mello para "Tô Cansado", que vem acompanhada de verniz de ironia por conta da nova voz do cantor, esvaziada por dois cânceres. Quem fecha o quinteto de vocalistas é Nando Reis, com a iconoclasta "Igreja". Ao entoar versos menos doces do que os da carreira solo, o músico parece se divertir ainda mais ao voltar a ser contrabaixista de funk-rock.
Daí então são muitos ápices, ao gosto do ouvinte.
Nando Reis com a dobradinha "Jesus não tem dentes no país dos banguelas" e a repaginada "Nome aos Bois", que agora inclui Bolsonaro na lista dos "fascínoras", como a provar a juventude do grupo musical quarentão sem ser careta. Sérgio Britto com a melosa "Epitáfio", pra poucos (como eu) a pior música da banda, mas decerto a mais massiva — e cuja versão acústica deu tempo para Charles Gavin descansar e trajar a camisa do Ceará. "Flores" com Branco Mello. "O Pulso" com Arnaldo Antunes. Paulo Miklos mandando animais fofinhos se foderem em "Bichos Escrotos". Os solos de guitarra quase tão altos quanto a gola da camisa do Tony Bellotto. E quem precisa de Polícia? E quem não gosta de Cristo? E quem está ficando louco de tanto gritar?
A média do público era tão mais idosa que a de um show padrão de rock quanto a idade dos próprios Titãs. O que dá uma falsa impressão de velhice no contexto festivo. E podia até soar ridículo um avô de família gritando palavrões em um palco. Talvez até soe para quem não se permite a suspensão de crença que a boa arte faz surgir.
Talvez fosse presunçoso que oito meninos de 20 e poucos anos se dissessem titãs em 1984. Hoje soa modesto. Dizer que os Titãs são a melhor banda do rock brasileiro é se dobrar ao gosto próprio. Difícil é negar que eles sejam a maior — nem que seja no número de dentes.
Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio
Podcast Vida&Arte
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui
Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente