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Crítico de Dança Henrique Rochelle comenta o espetáculo UM, de Mauricio Flórez

A montagem foi apresentada durante a XII Bienal de Dança do Ceará, que aconteceu entre os dias 16 e 27 de outubro em Fortaleza
17:58 | Out. 30, 2019
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Tipo Opinião

“UM” de Mauricio Flórez foi um dos espetáculos mais divertidos da programação da Bienal. Pudera. “UM” tem chances de ser a coisa mais divertida onde quer que se apresente. No meio do Porto Dragão, o espaço reunia o público saindo de uma apresentação com o pessoal esperando a festa do final do dia, entre drinks, conversa e risada — e não há condições melhores pra essa obra.

O universo de “UM” é todo próprio e pessoal. Nesse espaço entre o preparado e o ocasional, surge a figura de Flórez, intensamente maquiado, numa grande distorção do cotidiano. Para essa criatura ele desenvolve uma forma de movimentação, de expressão corporal e facial, e uma dinâmica de contato com o público.

Seu acontecimento é o tipo de coisa que mistura o perfeitamente normal com o completamente absurdo. A criatura chega e distribui frangos assados de borracha —daqueles que você aperta e fazem barulho —, como se entregasse flores, como se entregasse cartões de visita, como se isso fosse inteiramente corriqueiro.

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Esses brinquedos vão servir para complementar a trilha sonora e, mais tarde, para uma guerra com a plateia, que os arremessa para todos os lados. E ainda assim, não há nenhuma violência. “UM” é feita com um escudo de leveza, que a protege das leituras negativas.

O estilo da montagem — e da montação — lembra muito a arte drag, mas enquanto as drag queens fazem performance de gênero, refletindo sobre o estereótipo do feminino, aqui a performance é de um outro nível. “UM” é pós gênero, e muito rápido saímos do questionamento do masculino ou feminino, para questionar a própria natureza da criatura: “UM” é performance do humano.

É um humano, que brinca de ser uma criatura, que por sua vez brinca de ser humana e estar em nosso meio. Mergulhamos, como bonecas russas, num abismo de nós mesmos: quantas são as performances que fazemos de nossas pessoas, para nos ajustarmos às situações da vida?

“UM” é desajuste puro, inteiramente no domínio do além-lógica. Ele não precisa se esforçar para ser aceito, sua inteligência é a graça e o tratamento cênico suave, e um trabalho de intérprete pesado, construído com franqueza a partir da simpatia e da empatia.

Vamos fazendo parte dessa (des)construção, e nos aceitando também como ridículos, como diferentes, inesperados, risíveis, ilógicos, indefinidos, surpreendentes… E, aos poucos, “UM” vai deixando de ser o outro, para ser um de nós. Seria difícil achar outra coisa que represente tão bem o que é estar no meio dessa Bienal.

Henrique Rochelle é Crítico de dança, editor dos sites Da Quarta Parede e Criticatividade, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), e Pós-Doutorando na ECA-USP

 

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