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Cineasta Marcelo Gomes reflete sobre relações de trabalho a partir de novo filme

"Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar", lançado nos cinemas na quinta-feira, 11, aborda o capitalismo mostrando a realidade do município pernambucano de Toritama, conhecido como "a capital do Jeans"

Destacou-se na paisagem do agreste pernambucano aos olhos do cineasta Marcelo Gomes o município de Toritama. A 170km de Recife, a cidade passou, em cerca de duas décadas, do modelo econômico da agricultura para o da indústria têxtil. Conhecido popularmente como "a capital do Jeans", o local foi retratado pelo diretor no documentário "Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar", que estreou na quinta-feira, dia 11, nos cinemas através do projeto Sessão Vitrine.

No município, as pessoas passaram a apostar em trabalhar com jeans, costurando zíperes, bolsas e vendendo peças em feiras que movem a cidade. As cargas horárias de cada trabalhador autônomo ultrapassam as 10 horas por dia e não existem direitos trabalhistas no contexto. O único período de férias, por vezes, acaba sendo o carnaval, para o qual muitos dos moradores chegam a vender móveis e outros pertences para "inteirar" o dinheiro do feriado. O Vida&Arte assistiu ao filme e o classificou como "um bom ativador de discussões sobre trabalho, capitalismo e tempo". Leia a crítica aqui

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Em entrevista ao O POVO, Marcelo Gomes reflete sobre o futuro do modelo trabalhista em tempos de neoliberalismo e a universalidade do filme, que estreou mundialmente no Festival de Berlim deste ano.

O POVO - De 2015 para cá, o Brasil viu o crescimento do número de desempregados. Em 2016, o lema era “não fale em crise, trabalhe”. Em 2017, passou a valer a reforma trabalhista. Em 2019, já não há mais ministério do Trabalho. Qual era o momento econômico nacional quando se deram as gravações e como o contexto do País influenciou seu olhar na obra?

Marcelo Gomes - Eu comecei a fazer esse trabalho em Toritama há três anos, antes da mudança da lei trabalhista, da extinção do Ministério do Trabalho, dessa ideia de fortalecer o pensamento do trabalhador autônomo. Quando eu vi aquilo, senti que poderia ser o futuro do Brasil a partir dessas terríveis leis neoliberais que os governantes estão aprovando, até se fala em trabalho aos 12 anos de idade. O filme vem a calhar nesse momento histórico como um grande processo de reflexão, porque em Toritama isso já estava acontecendo há muito tempo e olha a condição de vida das pessoas. O que vai ser da saúde dessas pessoas, da aposentadoria dessas pessoas? Será que nós, o Brasil, vamos ser uma grande Toritama num futuro próximo? Quando eu cheguei lá, pensei que era um passado, que era uma coisa antes da revolução industrial e, na verdade, acho que Toritama aponta para o futuro, infelizmente.

O POVO - Para você, o quanto das relações de trabalho e da estrutura econômica que estão no documentário é próprio de uma realidade nordestina e o quanto pode ser lido como universal?

Marcelo Gomes - O filme passou em Berlim, na Inglaterra, e as pessoas estão tendo a mesma leitura, a mesma reação.  Esse elemento do neoliberalismo, que promove a ideia de que você é livre se trabalhar para você mesmo, é uma grande falácia. Que liberdade é essa que faz você trabalhar 12, 14 horas por dia? Isso é ser livre? Esse processo de "uberificação" do mundo, as pessoas trabalhando nas redes sociais o tempo todo, a gente vive esse processo no dia-a-dia. Tudo que tem em Toritama é universal em termos de condição de trabalho, do quê que vai ser o trabalho no futuro. Agora, tem algo que é a verve nordestina, o jeito de encarar a vida, a forma de falar e o humor, que é muito pernambucano, nordestino.

O POVO - Na sua narração em off, você traz um tom nostálgico que lembra da época em que Toritama era “pacata”, mais simples, mas sabemos que o crescimento das cidades é natural, esperado. Como distinguir uma expansão potencialmente predatória de um movimento natural?

Marcelo Gomes - Toritama saiu de uma cidade rural há 20 anos e virou uma cidade industrial sem construir essa industrialização e essa modernização com bases sólidas. Foi tudo de repente, ao acaso, com bases muito frágeis que podem acabar a qualquer momento. Tudo em Toritama é efêmero, se acaba e se constrói. Uma fábrica entra em falência, outra começa, as pessoas perdem muito dinheiro, ganham muito dinheiro. Tudo é construído de uma forma muito precária, é uma industrialização muito esdrúxula. Agora, eu não queria ser nostálgico em nenhum momento. É lógico que a memorabilia, as memórias, estão ali, e de uma forma ou de outra elas trazem uma nostalgia. O que eu quis foi comparar o presente com o passado, sem fazer nenhum tipo de julgamento. Minha voz traz um tom melancólico, mas eu não quis fazer um processo de julgamento, de que é bom no passado e o futuro é ruim. Eu só mostrei como era de um lado e de outro. Agora, existem também outras facetas que não mostrei, como poluição urbana, sonora, ambiental. O rio é muito sujo, poluído. É uma atitude predatória que acontece com esse desenvolvimento que não é pensado, que é esdrúxulo.

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