Participamos do

"Queria fazer da vida arte, queria uma poética nômade"

Cartas| A historiadora de arte Carolina Ruoso dá continuidade a série de cartas em que se corresponde com mulheres artistas. Nesta edição, Marcelle Louzada fala sobre sua performance Pouso
00:00 | Jan. 14, 2019
Autor O POVO
Foto do autor
O POVO Autor
Ver perfil do autor
Tipo Notícia

Carolina Ruoso,
Essa é uma pergunta que me fortalece muito cada vez que a respondo: sou uma artista brasileira. Quando era criança, no interior de Minas Gerais, queria ir embora com o circo a cada temporada que eles passavam por Formiga. Participei de algumas cias de dança em Minas Gerais: a UAIQDANÇA, em Uberlândia, e a Benvinda, em Belo Horizonte. Em 2013, depois de residir por sete anos em Belo Horizonte, sentia-me estagnada e sedenta para criar e voar e criar e voar. Queria viver o novo, queria fazer da vida arte, queria uma poética nômade. Resolvi dar um salto grande, me mudar para o Ceará e começar uma vida outra. Então, aos poucos fui me preparando e, em maio, pousei na cidade de Fortaleza para viver essa aventura. Foram 10 meses morando nas casas das pessoas que me ofereciam pouso. Escrevia essa experiência em um diário, isso tudo virou a performance-instalação Pouso, quando entreguei o diário para outros artistas me lerem e criarem com esse material. Fortaleza foi meu ateliê, não sabia que estava indo à Cidade para criar Pouso, não pensava que os escritos do diário poderiam ser material para a criação... tudo foi acontecendo aos poucos, fui conhecendo gente, fui percebendo que minha aventura tinha potencial ficcional. Pouso é uma partitura autobiográfica, envolvendo a experiência na Cidade. Entendendo a arte contemporânea como lugar de interstício entre arte e vida, a pesquisa foi concebida a partir da situação experimentada pela artista em seu deslocamento do sudeste ao nordeste brasileiro, assumindo condições de moradia diferentes das habituais. Do encontro entre linguagens surgiu uma poética híbrida abrigando corpo, imagem e som. Pouso, assim, configura-se enquanto exercício de composição do cotidiano, em um corpo que se presentifica em uma espécie de instalação coreográfica. Nesta instalação, três vídeos, frutos da livre criação de artistas visuais a partir da leitura do diário, contemplam a ambiência instalativa percorrida pelo corpo. Este, revisita suas memórias criando a dramaturgia da cena através de fragmentos, recortes de história, pequenas frases coreográficas em uma ação ininterrupta que se ressignifica em tempo real. A trilha sonora é executada ao vivo, criando uma ambiência peculiar. Aos vídeos e à ambiência sonora somam-se objetos pessoais, coleção de rolhas de vinho, isqueiros sem gás e castanhas de caju - fruta típica do nordeste - cartas e emails trocados e os próprios diários de bordo, além de mapas recortados da cidade de Fortaleza, molhos de chaves e a mala de rodinhas com os pertences da artista. Ao público é dada a possibilidade de movimento e este adentra o espaço como participante ativo, interferindo diretamente na obra, interagindo com os objetos e experimentando a ambiência instalada. Desloca-se, assim, o olhar habitual do espectador perante o espetáculo, convidando-o a habitar, co-habitar, viver junto.

Marcelle Louzada

artista do corpo - pesquisadora das artes

Seja assinante O POVO+

Tenha acesso a todos os conteúdos exclusivos, colunistas, acessos ilimitados e descontos em lojas, farmácias e muito mais.

Assine

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags