Tecnologia: em se investindo tudo dá

Fundamentado em pesquisa e desenvolvimento, o Ceará inicia cultivo de culturas não tradicionais no estado a exemplo de cacau e trigo.

“Em se plantando tudo dá” é uma expressão que remete à carta de Pero Vaz de Caminha como registro das características na descoberta de um mundo novo, rico e curioso, que veio um dia a se chamar Brasil. Estamos falando de 1500, Pedro Álvares Cabral, grandes navegações e as potencialidades imensuráveis daquela terra.

“Em se investindo tudo dá” é o trocadilho difícil de evitar ao se perceber que culturas para as quais não se dava atenção, ou pareciam impossíveis, começam a se desenvolver com eficácia relativa, incipiente ou surpreendente, além do (não) previsto. Para a obtenção desse resultado, claro: estudo, pesquisa, inovação, investimento e ousadia.

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Ainda sobre o “Em se plantando tudo dá”, é muito provável que a redação original não tenha sido exatamente essa, porém o que se colocou para a história, em larga medida verdadeiramente, é que em se investindo corretamente no Brasil tudo é possível, em função da riqueza vegetal, mineral e climática.

As falhas das nossas construções sociais e produtivas, portanto, têm a ver com gente. Com a gente, mais especificamente, porque não há novidade ao se dizer que em ambiente favorável, as sementes ideais são os cérebros. Além de quê é inegável: terreno fértil há. De sobra.

Logo, nesse texto abordaremos duas culturas cujos resultados podem trazer ciclos econômicos longevos e consistentes, além de descentralizados em relação à capital – o que é ótimo. Em função dos interessantes resultados que o estado do Ceará tem alcançando, o cacau e o trigo – culturas há pouco mais de dez anos inviáveis aqui – serão nesse texto nossos protagonistas.


Resultados

Embora grande consumidor de trigo, essa cultura não fazia parte sequer do horizonte de possibilidades há cerca de 10 anos. Agora tem produtividade viabilizada, o que favorece investimentos. Quanto ao Cacau, o Ceará produziu na primeira safra três mil quilos de amêndoas por hectare, o que está acima dos 350 quilos, também por hectare, registrado no sul Bahia, principal região produtora do Brasil, segundo nos conta Dra. Mayara Salgado Silva, Professora e Diretora de Ensino do IFCE campus Limoeiro do Norte. 

Em relação ao trigo, Clemilton Ferreira, Doutor em agronomia e professor do IFCE no campus em Tianguá, diz que o ciclo produtivo cearense registra cerca de 75 a 110 dias, enquanto outras regiões dependem de 140 a 200 dias. “O trigo em regiões do Cerrado com maiores latitudes, como nos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso, da Bahia e de Minas Gerais, tem um número médio de dias para a colheita das cultivares ´BR 18`, ´BRS 254` e ´BRS 264` que é de 109, 115 e 110 dias. Dessa forma, a duração dos ciclos de cultivo das cultivares ´BR 18`, ´BRS 254` e ´BRS 264` em Tianguá foram 27, 37 e 39 dias mais curtos, respectivamente”, explica Clemilton.

Cabe aqui a publicação de um “sumário executivo” da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) datado de novembro de 2020 do qual destaco o trecho abaixo:

“No Ceará, as pesquisas começaram em 2019, nas áreas do Instituto Federal do Ceará, em sistema de cultivo irrigado. Foram avaliadas três cultivares — BRS 254, BRS 264 e BR 18 — em dois experimentos, de cerca de 400 m2 cada, em Limoeiro do Norte (quase ao nível do mar, cerca de 200m de altitude) e em Tianguá (região serrana, com 780m de altitude). Os melhores rendimentos foram na região serrana, variando de 1.250 kg/ha a 2.950 kg/ha. Em 2020, a Embrapa acompanhou o experimento de 5 ha conduzido pela SL Alimentos, em Tianguá, na Chapada da Ibiapaba. Os resultados foram surpreendentes com produção de 5.300 kg da cultivar BRS 264 com ciclo de 75 dias.”

 

Tecnologia no cacau

“Os cinco clones das mudas CP49, PS13.19, PH16, CEPEC2002, CEPEC2004 se mostraram viáveis porque produzem com menos água e têm mais produtividade. O cacau começou a ser dar bem apesar de ter muito problema com vento”, diz Dra. Mayara Salgado Silva.

A saga da produção de cacau no Ceará, começou em 2010 quando o agrônomo Diógenes Sarmento, consultor em cacau e fundador da empresa D.H. Abrantes Sarmento, começou o trabalho de desenvolvimento do cacau cearense em 6 hectares pertencentes à Univale (União dos Agronegócios do Vale do Jaguaribe) destinadas para pesquisa de culturas emergentes.

“O mais difícil, já superado, foi tratar os melhores clones. Uns tinham muita pouca amêndoa e ainda de pouca qualidade. Depois formular um chocolate com alto teor de cacau, estável na temperatura do ceará foi difícil, porque nessa proporção geralmente derrete fácil, mas o nosso hoje está estável”, detalha Mayara.

“E agora estamos trabalhando no reaproveitamento de todos os resíduos, casca, cibirra (placenta que segura a semente do cacau), resíduos de amêndoas mal fermentadas, mal germinadas”, complementa a doutora.

Equipe de pesquisa em qualidade do cacau
Equipe de pesquisa em qualidade do cacau (Foto: Divulgação)

O Agrônomo, que mora em Limoeiro do Norte, diz que fez vários treinamentos e a feitura do cacau efetivamente começou a partir de um projeto piloto em 2018, porém ainda em laboratório. “Por meio de um edital da Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) conseguimos um maquinário mínimo que era: estação de manteiga, máquina de descascar e triturar a amêndoa, além da máquina de chocolate”, diz o agora produtor de chocolate que se prepara para quintuplicar sua produção.

Foi assim que Funcap mais D.H. Abrantes Sarmento mais o IFCE, contemplados no edital começaram a trabalhar derivados da cultura, a exemplo de chocolates 46% ao leite, um 70% sem lactose, pó de cacau 100% natural sem adição de químico, além de outros.

E se agora o problema é dar escala, “O Ceará está incentivando através da SEDET (Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho) novas áreas de plantio. Temos 14 hectares nas regiões de Limoeiro do Norte, Russas e Quixeré”, diz Diógenes. “O produtor vai começar a investir. Nossa expectativa é que só no vale do Acaraú os produtores implantem 150 hectares”, complementa.

Para efeito de comparação a Bahia tem cerca de 450 mil hectares de plantio.


Sobre o Trigo

O piloto foi feito em Tianguá e consiste em plantar 5 ou 6 variedades para saber as mais adaptáveis à sobrevivência. Com sementes híbridas desenvolvidas pela Embrapa Trigo cujo processo tecnológico consiste em promover cruzamentos manualmente, controlando a polinização de forma que se juntem variedades: espécies com mais produtividade e espécies com mais resistência, em uma só.

Quem nos explica, mais uma vez, é Clemilton Ferreira. “As condições climáticas de Tianguá permitiram uma precocidade das variedades plantadas em comparação com o sul do país e ao cerrado brasileiro, reduzindo seu ciclo em cerca de 14 a 17 dias, o que se traduz obviamente em redução de tempo, menos utilização de água, menor custo de produção (água, fertilizantes, defensivos) e maior produtividade. Também influencia positivamente estarmos próximo a linha do equador: mais luz e maior aceleração do ciclo”, diz Ferreira.

Esse trabalho é fruto de uma parceria público-privada celebrada entre Embrapa-Trigo, Embrapa agroindústria tropical e SL Alimentos que fomentou a pesquisa custeando o projeto com as bolsas de pesquisa e insumos. O que a SL Alimentos tem como retorno é o conjunto de resultados comerciais advindos de uma matéria prima mais próxima, portando com menos custos, diz o pesquisador.

Esse trabalho mostra: o ciclo (quando tempo para desenvolver), qual o melhor espaçamento (distância entre plantas) e qual o melhor adensamento (quantidade por metro quadrado) e produtividade.

Algumas barreiras: o produtor acreditar. Grandes culturas, milho, trigo, soja, algodão, precisam de grandes áreas. E isso é grande dificuldade porque a região é formada de retalhos de terras.

 

SL Alimentos


“Uma das inovações do plantio do trigo está baseada na semente. Antes a semente do trigo não tolerava baixa altitude e altas temperaturas. Mas a tecnologia desenvolvida a partir de semente oriunda do México - que é produtora de trigo em regiões quentes – permitiu variantes mais resistentes. A BR 264 é um exemplo disso", diz Alexandre Sales, empresário, administrador de empresa, representando a SL alimentos, que atua desde 2018.

"A partir dela foram feitos clones mais resistentes. E essas sementes começaram a ser mais adaptáveis. Assim Bahia, Goiás e outros estados estão tendo colheitas formidáveis. No Ceará o que fizemos de diferente, foi o sistema de irrigação. Nós usamos o sistema de gotejamento - que ainda não havia sido utilizado para esse tipo de planta, atacando diretamente no ponto sem desperdício, e sem deixar a planta exposta para pragas e doenças", complementa Alexandre que salienta não poder  usar nada "agressivo ao solo em virtude da rotação com o melão, pois a região de plantio é a da agrícola formosa – maior exportadora de melão do mundo.”

A SL Alimentos é produtora de macarrão, farinha de trigo, casquinha de sorvete e biscoito e está localizada em Caucaia e Aquiraz.

 

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