Quase metade das gravidezes no mundo é indesejada, aponta ONU

Autor DW Tipo Notícia

Relatório do Fundo de População da ONU revela que principais causas são pobreza e falta de acesso das mulheres à educação e a contraceptivos. Problema ainda é agravado por violência sexual e guerras.Quase metade de todas as gestações no mundo (48%) são involuntárias, segundo um estudo publicado nesta quarta-feira (30/03) pelo Fundo de População da ONU (UNFPA), em Nova York. A cada ano, cerca de 6% de todas as mulheres do mundo passam por uma gravidez indesejada. E dos 121 milhões de gravidezes indesejadas a cada ano, mais de 60% são interrompidas − metade delas em condições inseguras, de acordo com o UNFPA. As principais causas de gravidezes indesejadas são discriminação contra as mulheres, pobreza, violência sexual e falta de acesso a contraceptivos e aborto. No Brasil, a cada mil adolescentes, 53 engravidam precocemente, de acordo com o Relatório sobre a Situação da População Mundial, divulgado pelo Fundo de População da ONU no ano passado. Este índice apresentou ligeira melhora em relação ao relatório de 2019, quando a taxa era de 62 a cada mil. Ainda assim, a média brasileira está acima do índice mundial, de 41 a cada mil. Segundo a representação da ONU no Brasil, a gravidez não intencional na adolescência muitas vezes se relaciona com trajetórias educacionais truncadas ou mesmo com o abandono escolar. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6 a cada 10 adolescentes grávidas não trabalham nem estudam. Desta forma, este fenômeno pode ter impacto nas trajetórias educacionais e profissionais, contribuindo para a perpetuação de ciclos de pobreza e desigualdade. Muitas gestações terminam em abortos inseguros "Esta é uma crise que está à nossa volta", disse a diretora executiva do UNFPA, Natalia Kanem, em entrevista à DW. "Mas ela é invisível. É irreconhecível e isso faz parte de um fracasso global em dar prioridade às mulheres e meninas e em defender os direitos humanos básicos das mulheres e adolescentes". Para mulheres em países ricos onde o aborto é legalizado, os procedimentos são, em grande parte, seguros. Mas 45%, segundo o UNFPA, são abortos inseguros, responsáveis por até 13% das mortes maternas em todo o mundo. Nos países desenvolvidos, o número de gravidezes não intencionais diminuiu drasticamente desde os anos 1990. Isso se deve em parte, diz o relatório, a um aumento na disponibilidade de contraceptivos e educação sexual. Mas este não é o caso da África Subsaariana, onde o número de gravidezes não intencionais caiu apenas 12%. E, considerando o crescimento da população mundial, o relatório informa que o número absoluto de mulheres que experimentam uma gravidez não intencional no planeta inteiro aumentou, de fato, 13%. Muitas vezes, as mulheres que engravidam sem querer se sentem perdidas e não sabem o que fazer. Segundo o relatório da ONU, embora algumas gravidezes sejam interrompidas e outras concluídas, muitas são encaradas com ambivalência. "Estas gestações podem não ser totalmente involuntárias, mas também não são totalmente deliberadas, ocorrendo quando um indivíduo não tem a possibilidade de articular plenamente o que deseja em sua vida − ou mesmo imaginar uma vida em que a gravidez seja uma escolha", escrevem os autores do relatório. Mulher tem direito básico à autonomia corporal Existem métodos de contracepção, mas o relatório diz que muitas mulheres são impedidas de exercer um direito básico à autonomia corporal − por exemplo, o direito de usar contraceptivos. Por isso, segundo os autores do relatório, não há uma solução para "resolver" o problema. Algumas mulheres com acesso a métodos de contracepção se abstêm de usá-los. Há muitas razões para isso, que vão desde a estigmatização em certas comunidades ou conceitos errados − como mulheres que acham não precisar de contracepção na perimenopausa. Muitas outras mulheres estão numa relação com homens que querem ter filhos e negam a suas parceiras o direito de evitar a gravidez. Isso pode forçar as mulheres a usar o controle de natalidade em segredo ou a ter filhos para os quais elas se sentem despreparadas. O relatório observa que a responsabilidade de evitar a gravidez recai, na maioria dos casos, sobre as mulheres. Mas isso não significa que elas tenham sempre uma escolha. O relatório cita dados coletados na África Subsaariana entre meados dos anos 1990 e meados dos anos 2000, que mostraram que a maioria dos homens desejava mais filhos do que as mulheres. Kanem disse à DW que isso indica uma "incompatibilidade entre o que as mulheres querem e precisam e o que os homens acreditam ser o ideal". "É a mãe de família que normalmente é altruísta. Ela planeja as refeições. Ela decide quem vai com quais sapatos à escola. E ela é realista quando se trata de [perguntas como]: Quanto eu posso suportar? Quanto vai custar o investimento em cada um dos meus filhos?", disse Kanem. Mesmo quando a contracepção é usada corretamente, ela pode falhar. Para cada 100 mulheres que usam preservativos como método principal de contracepção, 13 engravidarão. E mesmo para as mulheres que usam formas de contracepção altamente eficazes, como um Dispositivo Intrauterino (DIU), gravidezes não intencionais ainda podem acontecer. O relatório se refere ao Serviço Britânico de Consultoria em Gravidez, que realiza abortos no Reino Unido. Em 2016, o serviço informou que mais da metade das cerca de 60 mil mulheres que fizeram aborto em um de seus centros naquele ano estavam usando médodos de contracepção. Conflitos agravam o problema "Se você estivesse no meio de um conflito e tivesse 15 minutos ou meia hora para decidir o que vai levar, agarraria seus filhos e correria porta afora. Contracepção, forros menstruais são coisas que não estariam no topo da lista. Quero dizer, se você tem um passaporte, você vai pegá-lo, vai se certificar de que pode colocar o que puder em uma pequena mochila e ir embora", disse Kanem. Segundo ela, isso torna as mulheres que fogem de situações de conflito especialmente vulneráveis a gravidezes não intencionais. Muitas mulheres dependem de suprimentos mensais de controle de natalidade. Quando são deslocadas, elas não têm mais acesso a eles. Os sistemas de saúde danificados também podem resultar em gravidezes indesejadas, acrescenta Kanem. No Afeganistão, por exemplo, espera-se que problemas no sistema de saúde resultem em cerca de 1 milhão de gestações extras não intencionais até 2025. Pobreza e educação A gravidez não planejada pode afetar qualquer mulher, independentemente de sua formação financeira ou educacional. Mas é mais provável que ela aconteça em países onde as mulheres têm níveis mais baixos de educação e autonomia, diz o relatório. A África tem as taxas mais altas de gravidezes não planejadas, vistas de país para país. O continente tem o maior número de mulheres com menos de 18 anos de idade dando luz fora do casamento. "Enquanto as taxas em todo o mundo caíram nos anos 1990, a queda foi a mais lenta na África Subsaariana", disse Kanem. "As regiões da África apresentaram algumas das pontuações mais baixas no índice de autonomia corporal". Kanem disse que isto se deve em grande parte à falta de educação. E a educação está ligada ao acesso à contracepção". Se as mulheres não sabem o que querem e do que precisam, não podem solicitá-lo. E quando a educação sexual é transmitida de boca em boca, ela pode facilmente se enredar em concepções errôneas. "Parte dessa liberdade de escolha é poder optar pelo método certo para cada uma e vimos mitos impressionantes sobre a contracepção muito frequentes entre as mulheres jovens na África", disse Kanem, que enfatiza que a contracepção não põe em risco a fertilidade futura, mas, ao contrário, salvaguarda a saúde da mulher. Autor: Clare Roth

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