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Especialista defende novas maneiras de combate ao câncer de pulmão

Individualização do tratamento do tumor e farmacogenômica são conceitos postos em discussão no Brasil. Em entrevista, o oncologista Marcelo Cruz defende o empoderamento do paciente e enfatiza que a doença nos últimos anos cresce entre mulheres e fumantes passivos
20:17 | Nov. 22, 2017
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*A repórter viajou a convite do evento
 
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Tumor cujos fatores de risco são, entre outros aspectos, tabagismo, predisposição genética e exposição a agentes químicos, o câncer de pulmão é, atualmente, segundo especialistas, a principal causa de morte entre homens e a segunda entre mulheres no Brasil. Os dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca) apontam que, entre 2016 e 2017, terão sido diagnosticados, no total, mais de 28 mil novos de câncer de pulmão no País. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez, afirma que, em todo o mundo, o número de novos casos da patologia é, por ano, superior a 1 milhão.
 
Em paralelo às pesquisas de órgãos de saúde, estudos sobre o novo perfil do paciente com câncer de pulmão – que abandona a figura do homem de em média 70 anos e dá lugar ao jovem de 30 – e acerca de tratamentos que focam na personalização do tratamento do tumor ganham visibilidade. Os temas foram discutidos em São Paulo no último dia 23, durante a apresentação do programa Inspire, fruto de parceria entre os laboratórios AstraZeneca, Bristol-Myers Squibb e Pfizer. “Identificar a correta mutação de maneira rápida ajuda a direcionar o tratamento e, com isso, melhorar os resultados do tratamento”, comenta o oncologista Marcelo Cruz sobre o Inspire.  
 
Médico titular do hospital AC Camargo Center e do Hospital de Beneficiência Portuguesa, ambos em São Paulo (capital), entre 2015 e 2016 e atualmente oncologista clínico da NorthwesternUniversity em Chicago (EUA), Marcelo Cruz conversou com O POVO, entre outros assuntos, sobre terapias-alvo, imunoterapia e farmacogenômica, aumento dos casos de câncer de pulmão em fumantes passivos e empoderamento do paciente. Confira os principais trechos.   
 
O POVO – O senhor poderia traçar um panorama do câncer de pulmão no Brasil?
Marcelo Cruz - Quando se compara todos os tipos de tumor, o câncer de pulmão é o que mais mata no Brasil. O número de casos novos por ano também é alto. Infelizmente, muitas das pessoas que fumaram bastante e que pararam ainda têm o risco elevado de ter câncer e é isso que a gente ainda está vendo hoje. Isso vale para os países da América Latina e para os países desenvolvidos. 
 
O POVO – O que é o programa Inspire.
Marcelo Cruz - Do ponto de vista de tratamento, felizmente, no País, temos aprovadas as terapias-alvo e as imunoterapias, que podem ajudar pacientes com câncer de pulmão. O que a gente está precisando é otimizar esse acesso no sentido de o paciente saber o que ele precisa através da detecção de algumas alterações ou mutações que a gente encontra no câncer de pulmão. Esse é o motivo desse programa Inspire. Você proporcionar ao médico uma ferramenta que pode ser dada ao paciente, que não tem custo para ele (médico), e ele, então, pode ter acesso à informação adequada de que tipo ou subtipo de câncer ele tem e a terapia adequada.
 
O POVO – Existe um novo perfil de pacientes com câncer de pulmão?
Marcelo Cruz - Quando a gente fala em câncer de pulmão, o tabagismo ainda é a principal causa de câncer de pulmão. A idade mediana de câncer de pulmão é em torno de 70 anos e esse perfil é de um paciente que ainda existe e que se a gente não acabar com o tabagismo vai continuar. O que está acontecendo é que a gente está conhecendo outras causas do câncer de pulmão: fumante passivo, a poluição ambiental e a exposição a alguns tipos de radiação e de gases existentes na natureza. Estes fatores juntos têm se mostrado fatores de risco para câncer de pulmão dos mais jovens, 50, 40 anos de idade. Até menos. Então, aquela face do câncer de pulmão daquele senhorzinho com cigarro na mão está mudando. 
 
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O POVO – Como se dá a relação entre poluição ambiental e o câncer de pulmão?
Marcelo Cruz - Quanto se fala em poluição ambiental, pensa-se logo nos combustíveis fósseis. Mas agora já está se vendo que a fumaça produzida em queimadas de árvores e de matéria orgânica é prejudicial. A longo prazo, se essa exposição aumenta, aumenta também o risco de câncer de pulmão.  Aí, entra a questão de sustentabilidade tanto nas cidades quanto na zona rural e na região de florestas e queimadas.
 
O POVO – O senhor falou dos novos termos que fazem parte do dicionário do tratamento do câncer. Quais merecem destaque?
Marcelo Cruz - Acho que terapia-alvo, sem dúvida, é algo importante. Partir desse princípio para achar uma mutação por meio de alguns testes, como sequenciamento de nova geração e testes moleculares, já é algo grande de conceito. Imunoterapia é outro conceito diferente de quimioterapia. Enquanto a quimioterapia tenta matar a célula do câncer e com isso a célula aprende a se proteger, a imunoterapia estimula as células de defesa a atacarem o câncer. E nosso sistema imune tem várias maneiras de atacar uma célula que não é normal ao corpo. 
 
O POVO – Diante dessas novas tecnologias, como fica a quimioterapia?
Marcelo Cruz - Foi se tentando melhorar, reduzir dose, mudar molécula e otimizar e selecionar melhor a quimioterapia. Ainda assim, ela é um tratamento tóxico. Para alguns tipos de câncer, como tumor de testículo, de mama, a taxa de resposta é altíssima. Porém, a tendência é aumentar essas terapias novas e reduzir a indicação de quimioterapia. A quimioterapia, muito provavelmente, não vai acabar. Entretanto, a gente está cada vez menos tentando utilizá-la.
 
O POVO – Há uma relação entre exposição ao câncer e idade?
Marcelo Cruz - O câncer em geral é multifatorial e está relacionado à vida moderna. A exposição a coisas manufaturadas, por exemplo, está aumentando. E o tempo de vida está aumentando. A idade ainda é o maior fator de risco para os cânceres: quanto maior a idade, maior o risco de se ter câncer. Aí, entra todo esse entendimento do que pode ser feito para diminuir esse risco e, na outra ponta, o desenvolvimento de novas terapias ou de novas ferramentas que possam detectar precocemente para tratar mais rápido e aumentar a chance de cura. Os desafios hoje são esses. É aumentar a detecção precoce e tratar, da melhor forma possível, as chances de cura ou de um controle com menos efeitos colaterais. 
 
O POVO – A farmacogenômica está relacionada a essas novas tecnologias. 
Marcelo Cruz – A farmacogenômica parte do princípio de que, uma vez que você acha uma alteração molecular, você tem a terapia-alvo para aquilo. Toda vez em que o cientista descobre um gene, uma alteração, um biomarcador, que definem alguma participação importante do câncer, do seu desenvolvimento, multiplicação, disseminação, é precisochegar a uma molécula que vai encontrar esse gene ou o produto desse gene. Você conseguir do ponto de vista de terapia individualizar ao máximo o remédio para aquele paciente. 
 
O POVO – Na palestra, o senhor defendeu o empoderamento do paciente. É uma tendência?
Marcelo Cruz - O Brasil ainda tem essa questão muito paternalista: o que o médico falou está falado. Se o paciente tiver a informação, ele tem a capacidade de discutir melhor com o médico as opções dele de tratamento. Nem sempre o que o médico oferece é o melhor. Tanto no sentido de terapia, como no sentido da qualidade de vida. Existem, por exemplo, pacientes que querem receber um tratamento que pode ser tóxico, mas pode ser eficaz. Então, existem os dois lados. O paciente tem que entender e poder discutir. Claro que ele não vai discutir de igual para igual com o médico. Ele sempre vai ter a visão de um leigo, mas poder levar, discutir e saber o que o médico está dizendo nesse sentido de seleção de terapia baseada no alvo específico.
 
O POVO - Essas novas tecnologias vão impactar na saúde pública. Se sim, a curto, médio ou longo prazo?
Marcelo Cruz - Apesar de todos os problemas que o País está passando, ele não pode parar de olhar para tudo o que está acontecendo. Esse processo de aprovação de novas tecnologias para o Sistema Único de Saúde (SUS) não pode parar, senão a gente vai perder o bonde da história de novo. A gente já o perdeu várias vezes. Tem que existir uma discussão séria e real sobre custos e um trabalho em paralelo forte de todas as agências reguladores de saúde junto à sociedade civil, às sociedades médicas, às empresas [de medicamento], no sentido de poder oferecer o que há de melhor para os pacientes. O paciente não pode ficar esperando se resolver problemas tão complexos do País para enfim discutir isso. 
 
O POVO - E essa articulação já está sendo realizada?
Marcelo Cruz - Do ponto de vista de pesquisa clínica e com o esforço muito grande de sociedade médicas, conseguiu-se destravar algumas coisas. Do ponto de medicamentos também. Imunoterapia e terapias-alvo, por exemplo, foram aprovadas em tempo relativamente hábil. Apesar de não ser a realidade do País nos últimos cinco anos, mas de uns dois anos para cá conseguimos conversar com agências reguladoras e mostrar o estávamos perdendo. O que os pacientes estão perdendo com os atrasos que estão acontecendo. E conseguimos acelerar alguns processos. E não pode parar. É um processo contínuo.
 
O POVO - Os benefícios dessas novas tecnologias suplantam os malefícios?
Marcelo Cruz - Sim. Isto é claríssimo: terapia-alvo e imunoterapias produzem malefícios muito menores que a quimioterapia e benefícios muito maiores. Estamos saindo de uma realidade de dar um tiro no escuro, que na maioria das vezes não acerta o alvo, ajuda o paciente e causa efeito colateral, para uma que a gente está vendo como uma luz sobre o que precisa ser tratado, mais certeira e com menos efeito colateral. O paciente fica impressionado. O médico que começa a ver resultados e utilizar os remédios também fica impressionado. É uma mudança de paradigma muito grande da quimioterapia para as terapias-alvo e imunoterapia. 
 

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