Criminalista lança livro com criticas à colaboração premiada
No começo da operação, há quase quatro anos, Machado, de 66 anos e avô de dois netos, teve meia dúzia de clientes que ficariam muito famosos - entre eles Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa e Fernando Baiano. Deixou as respectivas causas quando optaram pela colaboração premiada - e por advogados que defendiam o instituto. Hoje, entre duas centenas de clientes, Machado é advogado do deputado Jorge Picciani, ex-presidente de Assembleia do Rio, que continua preso, e de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, solto recentemente por habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça. Ambos são acusados de corrupção - o que Machado nega. "São inocentes - e se quiserem fazer delação premiada deixarão de ser meus clientes", avisa.
Covardia será lançado ainda neste semestre, afirmou o criminalista, adiantando pontos do extenso sumário que já organizou: antítese entre a advocacia nos tempos da ditadura militar e atual, a falácia e o despropósito da delação premiada, métodos à margem da lei, práticas medievais de escarmento... Sobre a reação dos advogados que eventualmente vestirem a carapuça, preferiu brincar: "Estou treinando boxe, e o meu cruzado de direita é muito bom".
O sr. está escrevendo um livro criticando a colaboração premiada, Covardia. Do que se trata?
O livro é uma comparação entre a advocacia clássica, que é a que eu faço, e os novos tempos dessa advocacia colaboracionista, que abdica das teses - como cerceamento ao direito de defesa - e busca uma solução que resolve o problema por critérios pragmáticos e não de justiça. Pouco importando a violência que se pratique quanto à equidade e consequências malévolas em relação a terceiros.
Onde está a 'covardia' nos advogados que trabalham com delação?
A covardia está em abrir mão da defesa. Porque defender dá trabalho, é um jogo incerto. Advocacia não é profissão de covardes, como disse o professor Sobral Pinto. O que existe hoje na advocacia criminal é que a vitória se consegue com a derrota, ou seja, com a delação. Delator e advogado levam vantagens. Mas isso é bom para a sociedade? Pretendo mostrar que não é.
O sr. defendeu presos políticos na ditadura. O que mudou entre os criminalistas de lá para cá?
A primeira coisa que me impressionou, na época da ditadura, foi a solidariedade entre os advogados em relação à inadmissibilidade da chamada de corréu como estratégia da defesa. A chamada de corréu tornou-se, depois, a colaboração premiada. Colaboração, aliás, é um eufemismo mal inspirado, porque nos leva à Segunda Guerra mundial, aos colaboracionistas na França, por exemplo.
Por que os advogados mudaram de postura?
Houve um pragmatismo. É muito mais fácil você não brigar, não enfrentar. O cliente acaba seguindo a ideia de "bom, eu vou saber o que vai acontecer comigo e vou aceitar". Eu não excluo a possibilidade de que alguém diga além do que ocorreu, e também diga menos do que de fato sucedeu.
Muitos advogados afirmam que a colaboração premiada é um meio legítimo de defesa.
Eu discordo. É uma capitulação, porque você abdica de discutir teses fundamentais, como incompetência do juízo e cerceamento ao direito de defesa.
Por exemplo...
O rumoroso caso Lava Jato, que está sendo julgado pelo juiz do Paraná. A Petrobras fica no Rio. Isso foi colocado no Paraná com a interpretação equivocada da lei. Acabou se consolidando por uma razão muito simples: feito o acordo de colaboração, a defesa é instada a desistir de todas as suas objeções. Ou seja: valida-se ilegalmente a competência, que é matéria de ordem pública. Então é a subversão completa da ordem jurídica.
Esses e outros questionamentos não foram aceitos pela Justiça...
Os tribunais não se manifestaram de forma definitiva. É o caso do Supremo, por exemplo, que poucas vezes se manifestou sobre essas preliminares.
Qual é o problema da colaboração na hora do julgamento?
Não é julgamento. É um ritual de morte anunciada. Uma morte moral, uma morte ética, porque eu não creio que o delator tenha conforto com a sua consciência. Acho que ele será um atormentado por uma pena que independe da pena da lei.
Qual?
A pena de perceber que foi egoisticamente motivado para salvar a própria pele. O colaborador vai a juízo sei lá quantas vezes, e aquilo é como água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Os advogados passaram a fazer uma tabelinha com os órgãos de acusação. Passaram a ser auxiliares da repressão, da punição a qualquer modo, tentando livrar a cara do seu cliente, ainda que isso custe a débâcle do outro.
Como é que se chegou a esse grande número de delatores?
Não raro, com ameaças a familiares. No início concentrando-se em três ou quatro advogados, que desfrutavam talvez de um acesso diferenciado perante o Ministério Público.
O livro cita nomes de advogados?
Os nomes são facilmente identificáveis. Basta ver quantas vezes a (Beatriz) Catta Preta fez, quantas vezes o (Antonio) Figueiredo Basto fez. A verdade nua, dura e crua, lamentavelmente, é que a maior parte dos que afirmavam peremptoriamente que não havia a menor possibilidade de seguir esse modelo, essa gente silenciou ou seguiu o caminho que é o oposto ao que disseram, até em documentos como aquele manifesto em que criticaram o lado autoritário da Lava Jato.
Qualquer um deles pode dizer que o sr. é que está errado.
Eu respeitarei a opinião deles, e espero que respeitem a minha.
Que balanço o sr. faz da Lava Jato quase quatro anos depois?
A Lava Jato faz muito mal ao País, porque age fora do devido processo legal, e das garantias fundamentais. O desserviço é maior que qualquer benesse.
E o combate à corrupção?
Existem monstros que foram criados de forma artificial. Há algum tempo era o comunismo. Depois, o narcotráfico. Hoje, é a corrupção. Sempre existirá, e tem que ser combatida de forma inteligente. E não transformar a corrupção na referência nacional. A fome é mais importante. A saúde é mais importante, a educação é mais importante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Agência Estado