"Quinta sem lei", agora contra a denúncia
"Temer sentou ali na terça-feira (17). O Moreira Franco do lado", apontou o anfitrião dos comensais, deputado Heráclito Fortes (PSB-PI). Naquele dia, o cardápio foi galinhada, mas costuma variar. Tem rabada, buchada. "Acordei às seis da manhã para moer a farinha e fazer essa paçoca para vocês", disse Heráclito aos risos na quinta-feira, já devidamente paramentado com um babador, antes de começar a comer um picadinho com ovo, arroz e banana à milanesa.
Com um humor aguçado do alto dos seus 67 anos, ele batizou de "Quintas sem lei" o dia em que costuma receber parlamentares, assessores e jornalistas para eventos que podem durar a tarde inteira. A sala principal onde todos se acomodam tem, de um lado, esculturas de santos e, do outro, um quadro de uma mulher com a mão dentro da calcinha. Peças produzidas pelo artista pernambucano Francisco Brennand, de quem sua mulher é sobrinha, completam o ambiente.
Antes da última terça-feira, Temer esteve no local em junho, poucos dias após a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentar a primeira denúncia contra o peemedebista. "Espero que não haja uma terceira", afirma o anfitrião. A relação com Temer vem desde os anos 1990. "Eu fui quatro anos vice-presidente da Câmara quando Temer foi presidente, convivemos muito, sempre tivemos uma boa parceria."
Articulações para o impeachment da petista Dilma Rousseff, que fez Temer chegar à Presidência, ocorreram ao redor dessa mesma mesa de madeira maciça. Um grupo de políticos experientes começou a se reunir e traçar cenários diante da fragilidade da petista. O núcleo duro desses encontros foi batizado de G-8, G de "geriátrico", explicou Heráclito, devido à faixa etária dos integrantes: Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), 75 anos, e José Carlos Aleluia (DEM-BA), Rubens Bueno (PPS-PR), e Benito Gama (PTB-BA) - os três com 69 anos. Dois dos participantes se tornaram ministros de Temer: Mendonça Filho (Educação), 51 anos, e Raul Jungmann (Defesa), 65 anos.
Segunda acusação. Para Temer, sentar à mesa com Heráclito hoje tem um outro objetivo: evitar que ele mesmo seja afastado do Palácio do Planalto, articulando votos na Câmara para barrar a segunda denúncia contra o peemedebista. Além disso, o deputado é visto como um elo com Maia, sucessor imediato de Temer. Tanto durante a tramitação da primeira denúncia quanto agora, o presidente da Câmara faz movimentos considerados dúbios pelos governistas. O clima entre os dois não anda nada bom, mas Heráclito minimiza.
"Existe em política uma coisa muito ruim: são os cumpridores da ordem não dada e os cavaleiros das desavenças. É muito comum esse leva e traz, como é o caso agora entre as duas mais importantes figuras da hierarquia administrativa da República."
O deputado, no entanto, pontua que Temer tem sorte de ter Maia como o primeiro na linha sucessória. "Eu conheci Rodrigo e acompanhei o seu amadurecimento político, acho que o Michel deve se sentir muito satisfeito, muito feliz, por ter alguém com a responsabilidade dele. Eu nunca vi o Rodrigo mexer uma pedra contra o Michel."
A amizade com Maia vem dos tempos que Heráclito era filiado ao DEM. O piauiense chegou ao partido quando ele ainda se chamava PFL e deixou a sigla em 2014, segundo ele, por uma questão de "sobrevivência política". Com o enfraquecimento da legenda no Nordeste depois dos governos petistas, se acomodou no PSB a convite do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em um acidente de avião em agosto de 2014.
Após quase 40 anos de vida pública, o deputado também é alvo de inquérito da Operação Lava Jato que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Nas planilhas da Odebrecht, ele foi identificado como "Boca Mole". Hoje, coleciona mandatos e histórias que incluem personagens como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Do primeiro, se aproximou durante a Constituinte. Em 1989, a casa do Lago Sul serviu como uma espécie de comitê informal para a campanha a Presidente de "dr. Ulysses".
Além do DEM e do PSB, Heráclito já foi filiado ao PDT, ao PMDB e à Arena, partido que deu sustentação à ditadura militar e pelo qual conquistou o seu primeiro mandato de deputado no final da década de 1970. Até hoje, ele chama o Golpe de 1964 de "revolução".
Três anos após a morte de Campos, Heráclito está de malas prontas para voltar ao DEM - ou melhor, ao partido que será criado a partir da reconfiguração de forças que está sendo liderada por Maia. Sobre a saída do PSB, que ameaça de expulsão os deputados pró-Temer, ele explica: "O convite era para que eu participasse de um partido plural e em vias de expansão. Eduardo Campos sabia o meu perfil, sabia medir a batimetria do meu socialismo. O problema é que, de repente, a direção do partido decidiu mudar de rumo". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Agência Estado