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Nova vitória do discurso antipolítica no segundo turno das eleições

14:42 | 31/10/2016
O estilo João Doria, que se elegeu prefeito de São Paulo neste ano lançando mão do discurso "não sou político, sou gestor", emplacou também em outras capitais e grandes cidades brasileiras no segundo turno das disputas municipais. Negar os partidos e o próprio sistema político parece estar na moda e está entre os fatos relevantes destas eleições.

Além de São Paulo, as outras duas principais capitais do sudeste do País elegeram prefeitos com discursos e trajetórias distantes da política. Em Belo Horizonte venceu Alexandre Kalil (PHS), cuja experiência política anterior havia sido na presidência do Atlético Mineiro, um time de futebol. O slogan adotado por ele foi "Chega de político, é hora de Kalil" e ao longo da campanha repetiu ser contra a "velha política" - uma forma de esconder sua militância partidária, primeiro apoiando Aécio Neves, no início dos anos 2000, e depois ao fazer campanha para o sucessor do tucano, Antonio Anastasia, em 2010.

O eleito no Rio de Janeiro, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella (PRB), embora seja senador em segundo mandato, só entrou para a política por determinação de sua Igreja. Na reta final das eleições, Crivella deixou de comparecer a debates na TV e de conceder entrevistas. Doria, Crivella e Kalil: três prefeitos eleitos ao mesmo tempo em grandes capitais, todos com discursos distantes da política.

Em Porto Velho (RO), o prefeito eleito Hildon Chaves (PSDB), também elegeu-se com o discurso da "não política". Dizendo-se "muito parecido" com Doria, o empresário do ramo da educação pagou boa parte da campanha com recursos próprios - desembolsou R$ 1,4 milhão - e se esforçou para vender a imagem antipolítica. "Nunca fui político, a mesma indignação que as pessoas têm com a classe política eu também tenho", disse em um debate. Deu certo: a dois dias do primeiro turno, Chaves tinha 9% das intenções de voto; foi ao segundo turno e, ontem, foi eleito com 65% dos votos válidos.

O cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), reafirma a análise de que o discurso antipolítico resulta do descrédito das figuras partidárias que se envolvem em escândalos de corrupção. Mas ele aponta um perigo na difusão dessa estratégia. "Leva as pessoas a desconfiarem de todas as instituições políticas, que, bem ou mal, são as responsáveis por trazer mudanças benéficas duradouras à sociedade. Vemos as pesquisas de opinião em que a Câmara, o Senado, os partidos, estão todos muito mal avaliados. Já a Igreja ou as Forças Armadas, por exemplo, aparecem bem", diz. "É um risco porque reduz a participação das pessoas na boa política. Além do voto, que é obrigatório, elas não se sentem mais impelidas a participar de comitês, de se organizar, se filiar a partidos e fazer parte dos movimentos que podem levar às mudanças que querem."

Fernando Lattman-Weltman, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), lembra que o discurso do "não político" não é novo no Brasil. "Basta pensar em Fernando Collor, o 'caçador de marajás', que acabou se mostrando idêntico a eles. Essa tendência antipolítica é criada pela tradição histórica que temos pelo autoritarismo", diz. O sucesso da estratégia nestas eleições, para Weltman, também é resultado de uma "histeria moralizante" que tenta criar a ideia de que todos os políticos são corruptos. "É o que leva as pessoas a acreditarem nesses personagens que se dizem de fora. Na maioria das vezes, o resultado é decepção. As pessoas acreditam que é uma questão de vontade pessoal, mas não funciona assim. O sistema político está montado e, mesmo que essas figuras digam que não fazem parte dele, elas fazem. Pode levar a mais frustração, e, se o processo não for analisado e debatido, à repetição desse ciclo."

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