Segurança deixou de ser prioridade, dizem policiais

Bandeira da campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018, a área de Segurança Pública deixou de ser prioridade do Palácio do Planalto, segundo coronéis, delegados de polícia, integrantes da bancada da bala no Congresso e representantes de entidades do setor.

O anunciado superministério da Justiça e Segurança Pública perdeu relevância desde a demissão do ex-juiz Sérgio Moro da pasta, há quase um ano. Sob fogo cerrado das categorias de policiais e até da chamada bancada da bala, a pasta acaba de ganhar o terceiro titular no atual governo - o delegado da Polícia Federal (PF) Anderson Torres.

Além da alta rotatividade de ministros, Bolsonaro não conseguiu tirar do papel as principais promessas para o setor, como garantir investimentos em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa dos agentes, apontam especialistas e representantes da área. Logo após vencer as eleições, o então presidente eleito prometeu "carta branca" a Moro, que abandonou 22 anos de magistratura.

O pacote anticrime, porém, foi desfigurado pelo Congresso, que também barrou a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o ministério. Criticado por falta de diálogo com secretarias estaduais de Segurança, Moro deixou o governo acusando o chefe do Executivo de interferência indevida na PF - as alegações são objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal.

Sucessor de Moro, o advogado André Mendonça ficou onze meses à frente da pasta e foi transferido para a Advocacia-Geral da União. Se por um lado a passagem de Mendonça pelo Palácio da Justiça melhorou o diálogo com os Estados, por outro ficou marcada pelo uso da Lei de Segurança Nacional contra críticos e opositores do governo.

Os números da área na gestão Bolsonaro começaram a aparecer. Dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), compilados de janeiro a novembro de 2020, apontam elevação de 6,32% no número de homicídios dolosos, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

A perda de prestígio do setor pode ser testada no Congresso. Uma proposta do ministério para ampliar em R$ 945 milhões seu orçamento em 2021, nas negociações na Comissão Mista de Orçamentos, resultou em R$ 300 milhões. Esse montante ainda pode ser subtraído na reavaliação das emendas de relator, que será feita para recompor o corte em despesas obrigatórias aprovado pelo Legislativo.

"As notícias que chegam são de que os recursos não estão na ordem em que já estiveram no passado e que há muita dificuldade em se conseguir recurso nacional para tocar projetos", disse o coronel Marlon Tezza. Presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), ele avalia que as polícias estaduais foram esquecidas pela pasta. "As polícias estaduais não tiveram praticamente recurso nenhum."

Marlon é um dos integrantes do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, criado pela lei que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). O conselho deve avaliar a execução do Plano Nacional de Segurança Pública. "O ‘conselhão’ deveria ter pelo menos duas reuniões por ano, e não teve nenhuma na pandemia. A última foi no início de 2020", disse o coronel, que tem cobrado o retorno das reuniões. O ministério tampouco entregou o primeiro relatório de avaliação do Plano Nacional de Segurança, exigência da lei que criou o Susp. O prazo era dezembro de 2020.

Perfil

Titular da pasta no governo Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Dias observa que a Justiça tinha um perfil muito diferente. "Cuidava desde índios até a relação com o Poder Judiciário. A Secretaria de Segurança Pública era um órgão importante, que tratava de articular com secretários de Segurança do Brasil uma política que pudesse ser uniforme no combate da violência." Outro ex-ministro, José Eduardo Martins Cardozo (gestão Dilma Rousseff), disse ser "assustador" o "amesquinhamento" do órgão no atual governo. "Atribuo isso diretamente ao presidente. Bolsonaro quer transformar a pasta em ministério da defesa dele."

Na avaliação de especialistas, o ministério não tem planejamento. Rodrigo Azevedo, coordenador de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, afirma que a pasta não tem nem mesmo programas articulados. "Me parecem muito sérias essa desarticulação e essa falta de continuidade de uma política pública minimamente sustentável, ainda mais com as trocas de ministros", argumentou Azevedo.

O governo não conseguiu fazer avançar no Congresso propostas que alimentaram as redes bolsonaristas, como a tipificação de invasões de propriedades como terrorismo, a redução da maioridade penal para 16 anos e o excludente de ilicitude para policiais. A exceção tem sido a flexibilização nas regras de posse e porte de armas.

As pautas corporativistas defendidas por Bolsonaro, quando era deputado federal, foram deixadas de lado. Para o delegado Rodolfo Laterza, presidente da Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), "o presidente devia fazer uma análise mais detida do que as forças policiais precisam. Principalmente as forças estaduais, policiais civis, militares, guardas municipais e agentes penitenciários". Procurados pela reportagem, o Planalto e o Ministério da Justiça não se manifestaram.

‘Presidente nunca convidou a bancada da bala para um café’

Líder da bancada da bala no Congresso, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) é crítico do presidente Jair Bolsonaro pelo tratamento dado às forças de Segurança Pública. "A gente esperava um governo que fosse reparar o que perdemos", disse o parlamentar ao Estadão. "A desvalorização dos profissionais da área de segurança acabou piorando."

• Bolsonaro tem cumprido o que prometeu na área de segurança?

Criou-se uma expectativa muito grande, pois finalmente conseguimos eleger um presidente oriundo da bancada da segurança. Tínhamos certeza de que seríamos tratados de uma forma como a gente achou que merecia. No entanto, essa expectativa acabou se tornando uma frustração, porque nós perdemos mais em dois anos do que nos dez últimos anos. Perdemos na reforma da Previdência, na PEC emergencial, na fusão dos ministérios da Segurança Pública e da Justiça. Perdemos até na vacinação, pois colocaram até os presos na frente da gente.

• A que atribui essas "perdas"?

Caberia a Bolsonaro explicar. A PEC Emergencial não precisaria ter colocado servidores da área de segurança. É a categoria que mais está sendo contaminada por covid. Só no Estado de São Paulo são 40% dos policiais. Então, não havia necessidade de imputar mais isso aos profissionais da Segurança. A gente já não tem uma série de direitos, que ele sabe muito bem, e aí ainda inclui os servidores da área de Segurança na PEC Emergencial.

• Como vê a atuação da pasta da Justiça e Segurança Pública?

O Ministério da Justiça pode até continuar forte, mas a segurança está sumida. O ministério não deixa espaço para a área de segurança. Segurança é só no nome. Vamos ver agora se, com o Anderson Torres (novo ministro da Justiça), que é da área da polícia, melhora.

• O que achou de mais uma mudança de ministro nessa área?

Não fomos nem consultados.

• O ministério propôs a ampliação de R$ 945 milhões em seu orçamento para 2021, mas foram aprovados R$ 300 milhões...

A gente não é consultado para absolutamente nada. Em dois anos, a bancada da bala nunca foi convidada para tomar café com o presidente. (Bolsonaro) Já se reuniu com a bancada feminina, evangélica, do agronegócio... Nem sequer somos consultados para qualquer tipo de indicação de cargos.

• Por que esse desprestígio?

Gostaria muito de saber o porquê. Fui o primeiro deputado a declarar apoio a ele, aliado de primeira hora. Se tivesse um presidente da bancada da segurança que fosse desafeto dele, poderia ser que ele estivesse querendo convidar. Mas não há justificativa.

• O alinhamento com Bolsonaro será mantido em 2022?

Então… Ainda é meio cedo para fazer essa avaliação. As categorias dos policiais estão muito descontentes. Vamos ver se ele vai fazer alguma coisa para reverter esse cenário.

• Como o sr. tem sido informado sobre esse descontentamento?

Hoje você vê os parlamentares e as próprias polícias externando publicamente. Não sei como será daqui para a frente.

• Quando foi a última conversa que o sr. teve com o presidente?

Já nem lembro mais. Tivemos em alguns eventos no Planalto. Mas conversar, mesmo, a última vez foi para falar sobre (a recriação do) Ministério da Segurança, que já faz oito meses.

• O sr. abriu mão da candidatura à presidência da Câmara para não atrapalhar Arthur Lira...

Exatamente, porque havia preocupação deles que eu tiraria mais votos do Arthur Lira, pois o PL estava junto do Arthur, tinha 43 deputados. Uma ala bolsonarista tinha declarado apoio a mim. A bancada se sente desprestigiada.

• O governo federal deixou a desejar na vacinação das polícias?

Muito. Tinha feito ofício tanto para o (governador João) Doria quanto para o presidente. Demos a oportunidade de Bolsonaro sair na frente, mas, infelizmente, não fui atendido. O Doria atendeu na frente. O Estado de São Paulo está priorizando os policiais. Pelo plano nacional de vacinação, ficamos atrás dos presos, o que é algo até meio vexatório para a classe. Demonstra desprestígio.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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