A revisitação diária do caso Marielle por Eliane Brum: "Tive a sensação de que o País tinha acabado de mudar"
Nos mil dias que marcam a ausência física de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a hashtag #1000DiasSemMarielle segue como um dos assuntos mais comentados do Twitter nesta terça-feira, 8. Há mil dias, mobilizações da jornalista se unem a de Anielle Franco, irmã de Marielle, e outros perfis que reivindicam justiça para o caso que aconteceu em 14 de março de 2018.A hashtag #1000DiasSemMarielle segue como um dos assuntos mais comentados do Twitter nesta terça-feira, 8. O dia marca os dois anos e nove meses sem a presença física de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Desde o dia 14 de março de 2018, publicações como a da jornalista Eliane Brum solicitam respostas sobre o caso e constituem uma rede de solidariedade e de justiça sob olhares diversos.
No intervalo dos anos, um padrão segue as postagens. Uma contagem dos dias desde o crime, junto aos questionamentos e à reivindicação por respostas. A publicação virou rotina na vida de Brum: desde março de 2018, vem sendo o primeiro pensamento do dia da jornalista. Assim como o de outras pessoas próximas à Marielle e Anderson.
“Já fiz esse tuíte nas situações mais complicadas, pedindo emprestado telefones para estranhos. Já fiz na floresta, com conexão por rádio, já fiz no Quênia, atrasando uma expedição, já fiz num navio do Greenpeace na Antártida. Às vezes levo muito susto porque penso que esqueci. Aí vou conferir e tinha lembrado”, conta Eliane Brum ao O POVO.
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AssineA contagem foi iniciada dias após a execução do crime e mobiliza comentários de apoio e de repúdio nas redes sociais da jornalista. O que segue como surpresa, entretanto, são as faltas de resoluções do caso. “Nem conhecendo a polícia e a justiça brasileira eu poderia imaginar essa escandalosa demora na apuração do crime. O que aponta para o quão fundo a investigação pode chegar e o quanto ela pode revelar”.
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No dia em que soube da execução, a jornalista voltava de Anapu (PA) - cidade onde a missionária Dorothy Stang foi assassinada em 2005. “Quando soube que Marielle tinha sido assassinada, de imediato tive a sensação de que o País tinha acabado de mudar. O Brasil é um país muito violento, mas os limites estavam sendo esgarçados ainda mais”, lamenta.
A conexão com Marielle foi instantânea e fez com que a jornalista relembrasse outros casos já apurados anteriormente na região Amazônia - no qual Eliane já debruçou alguns textos como “A floresta das parteiras”. A angústia de não estar presencialmente na cidade carioca foi semente para as postagens nas redes sociais há dois anos. Hoje, completam-se quase mil delas.
1000 DIAS SEM MARIELLE.
— Eliane Brum (@brumelianebrum) December 8, 2020
O BRASIL E O MUNDO QUEREM SABER:
QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?
E POR QUÊ?#1000DiasSemMarielle #1000DiasSemAnderson #1000DiasSemRespostas #1000DiasSemJustiça #MariellePresente pic.twitter.com/nnCqCsDHBG
“O Brasil é um país com uma grande tendência ao apagamento e à normalização da morte de uma parte da população, representada pelos negros e pelos indígenas”, destaca Eliane, sob a justificativa de que o País também tem um “déficit muito grande de memória”. Ela refere-se ao período da ditadura civil-militar brasileira. “Os criminosos de Estado que torturaram, sequestraram e executaram opositores na ditadura civil-militar (1964-1985) nunca foram responsabilizados”.
Mesmo sob as dificuldades das denúncias diárias - na quais Brum admite não ter sido possível postá-las em alguns dias devido a conexões falhas de internet - a junção dos tweets dela e de outros perfis evidencia a importância do caso Marielle e o não esquecimento. “Eu faço a minha pequena, bem pequena, muito pequena mesma, parte. É mais ou menos como acordar todo o dia de manhã e levantar o meu cartaz numa esquina movimentada. Finco o meu cartaz lá e vou fazer o chimarrão”.
Para a jornalista, após a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tornou-se ainda mais importante lembrar do fato. “O bolsonarismo é um projeto de destruição da memória. Lembrar, fazer memória, em todas as áreas, é um ato fundamental de resistência ao autoritarismo que se instala e avança no Brasil”, pontua.
Nas redes, o pedido se torna coletivo: segue e une-se com outras exigências de Anielle Franco, irmã de Marielle; da cartunista Laerte Coutinho; ou da parlamentar carioca Taliria Petrone (Psol). “O que fazemos, juntos, é dizer: não esqueceremos nem deixaremos esquecer”.
Uma madrugada inteira ouvindo minha mãe chorar. O que estamos vivendo desde 14M eu não desejo a ninguém. Eu queria mesmo era ter o dom de sanar a dor da minha mãe, curar meu pai, sempre proteger a Luy, e voltar no tempo. Por aqui há muita saudade e dor, mas é preciso seguir
— Anielle Franco (@aniellefranco) December 8, 2020
Mil dia sem sua risada. Mil dias sem seu tapa no ombro. Mil dias sem você, Mari.
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) December 8, 2020
Mil dias que lutamos por respostas: quem mandou matar Marielle? Por quê?
Mil dias de luta#1000DiasSemMarielle#1000DiasSemRespostas#JustiçaParaMarielleEAnderson pic.twitter.com/Beidc2rnUl
…quem matou e quem mandou matar Marielle? - queremos saber. 999 dias.
— Laerte Coutinho (@LaerteCoutinho1) December 7, 2020
Para Brum, o gesto simples reflete uma existente polaridade brasileira. Em uma realidade de desigualdade de gênero e de raça na política, candidaturas como a de Marielle são um marco. “Lembrar, fazer memória da execução de uma mulher, negra, bissexual, criada na favela, que ousou fazer política no centro, é “ofensivo” para muitos, muitos mesmo”, conta. Eliane relembra que próximo a data dos mil dias, odiadores estavam ativos nas redes sociais sob “uma tentativa de apagamento” da história da vereadora.
“Essa reação tem muitos significados – e um dos mais importantes é que é uma expressão de racismo, porque os negros e negras, assim como os indígenas, são os matáveis do Brasil. Marielle seria uma “matável” e, portanto, afirmar que ela não é, todos os dias, perturba uma parte dos brasileiros”, pensa Eliane.
Para o futuro, Brum espera a resolução do crime e uma mudança genuína. "A responsabilização ou a não responsabilização dos mandantes da execução de Marielle também determinará muito do futuro do País, o assassinato de Marielle e a nossa capacidade, como sociedade, de fazer ou não justiça, representa essa encruzilhada".
Ainda, acredita que a mobilização em rede que segue coletivamente em dias como este 8 de dezembro movimenta estruturas. "Se formos milhões pedindo todos os dias justiça por Marielle, nós moveremos nesse País. Em direção à vida, em direção à equidade racial, social, de gênero. Quando eu tuíto - Quem mandou matar Marielle? E por quê? – estou afirmando que não podemos aceitar nenhuma/nenhum a menos".
O podcast Arquivo Aberto, do O POVO, contou cronologicamente a história do Caso Marielle. Para relembrar e acompanhar os desdobramentos do assassinato da vereadora, basta ouvir o especial Caso Aberto no site ou em plataformas de streaming como o Spotify ou Deezer.
Confira outros tweets da hashtag #1000DiasSemMarielle
Hoje completa 1000 dias do assassinato da Marielle e a pergunta ainda fica: quem mandou matar Marielle? E por quê?
— Carol Dartora (@caroldartora13) December 8, 2020
Por que tentam nos silenciar? Por que querem nos matar?
Por Marielle, nenhum minuto de silêncio, uma vida inteira de luta!#1000DiasSemMarielle pic.twitter.com/RufRKVT8KK
MIL DIAS SEM JUSTIÇA!
— Renata Souza (@renatasouzario) December 8, 2020
Mil dias sem sua presença, sem sua cumplicidade, sem nossas risadas.
Mil dias de gritos incessantes por justiça! Não deixaremos os responsáveis por sua morte ficarem impunes! #1000DiasSemMarielle pic.twitter.com/UANbScVvsG
Com Marielle e @flaviaol, após um debate pesado sobre segurança pública no RJ. Neste dia, Marielle foi mais uma vez gigante! Muitas lembranças e saudades de Marielle. Seguimos firmes na luta e cobrando justiça! #1000DiasSemMarielle#1000DiasSemRespostas pic.twitter.com/xGA4brVgvY
— Alessandro Molon (@alessandromolon) December 8, 2020
Quem mandou matar Marielle e Anderson? E por quê? #JusticaPorMarielleEAnderson #1000DiasSemMarielle pic.twitter.com/kJ2HWwBCUz
— Ciro Gomes (@cirogomes) December 8, 2020
São Paulo, 8/12/2021#1000DiasSemMarielle pic.twitter.com/ObTHQ7wrcG
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) December 8, 2020
Com a repórter Gabriela Almeida
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