Hackers bolsonaristas invadem lives de acadêmicos
Conhecida como "zoombombing", prática de atrapalhar transmissões tem como alvo lives progressistas; invasores glorificam policiais e governo federalO ataque foi imediato. "Feijó conclama, Tobias manda...", escreveu um usuário que se identificou como policial, citando o hino da PM de São Paulo. Outro digitou: "Parabéns Bolsonaro, parabéns às polícias, parabéns ao cidadão de bem que não defende vagabundo." Foram mais 7 mil comentários e 30 mil dislikes durante a live Polícia pra quê? Protestos antirracistas e o fim do monopólio policial, transmitida pelo Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (InEAC), da Universidade Federal Fluminense.
O debate do InEAC-UFF foi um dos mais de 20 alvos de zoombombing, um tipo de ataque às transmissões online - lives, aulas, palestras etc - que vem acontecendo durante a pandemia de covid-19. O último caso aconteceu anteontem à noite. Em comum, os eventos traziam temas identificados com ideias progressistas - racismo, feminismo, preservação da Amazônia, violência policial e relações entre civis e militares - ou com críticas ao governo federal. E os hackers, na maioria das vezes, apresentavam-se como bolsonaristas.
"O ataque foi orquestrado por meio de grupos de WhatsApp de policiais no Brasil que receberam a ordem de atacar", afirmou a professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da UFF. Os envolvidos na ação não conseguiram derrubar o evento, mas perturbaram a transmissão com gracejos, ofendendo as professoras que participavam da live: a própria Jacqueline Diniz e suas colegas Jacqueline Sinhoreto e Marlene Spaniol.
"Se o bicho pegar liguem para o WhatsApp dos Vingadores ou pra Liga da Justiça", escreveu um invasor. Houve ainda ofensas misóginas e comentários políticos. "Deslike (sic) pesado! Vamos passar menos vergonha, esquerda!", afirmou outro. Ninguém pareceu se importar com o fato de que Marlene - que mediou o encontro - ser também major da Brigada Militar. Por fim, mandaram as debatedoras cuidar de tarefas domésticas.
Pornografia
Em dois casos, os professores procuraram a polícia para prestar queixa - em Minas e no Rio Grande do Sul - de crime cibernético. As ações afetaram transmissões de universidades federais e estaduais de pelo menos nove Estados e do Distrito Federal. Na maioria das vezes, os atacantes invadiram salas de aplicativos, como o Zoom - daí o nome de zoombombing - e o Google Meet.
Passaram a exibir imagens pornográficas e a xingar os participantes. Também fizeram barulhos e gracejos e tocaram músicas para impedir que os debatedores fossem ouvidos. Foi o que aconteceu às 19h40 de 19 de agosto com a professora Maria Helena de Castro Santos, do Instituto de Relações Internacionais (IREL), da Universidade de Brasília (UnB).
Havia 40 minutos que ela começara a falar quando, de repente, a audiência na plataforma online deu um salto. Em segundos, começaram os ruídos desconexos, a música alta, os xingamentos, os gracejos e a pornografia. Quem tentava acompanhar a palestra sobre as relações entre civis e militares, como o capitão de mar e guerra José Gustavo Poppe de Figueiredo e o professor Matias Specktor, não conseguia mais ouvir a professora. "São práticas fascistas, ataques à liberdade de expressão", afirmou a professora.
Para deter o ataque em Brasília, a organização tentou retirar os perfis falsos - uma dezena - que invadiram a sala do Google Meet, mas eles voltavam. Foi preciso reiniciar o encontro em novo link para prosseguir. Na operação, metade dos alunos perdeu a sequência da aula.
No Ceará, foram registrados dois ataques. O último deles foi ao curso Forças Armadas e a Construção da Nação, da Universidade Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab). Ali também pornografia e mensagens pró-Bolsonaro interromperam a aula de dois professores. Cerca de 15 perfis falsos foram usados na ação.
Unicamp
Em São Paulo, hackers atingiram o webinário Atlântico Negro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A sala do evento foi invadida por vozes e imagens que impediram a professora Lucilene Reginaldo de falar. O reitor Marcelo Knobel classificou o ato como "racista". "Ao gesto mesquinho que procura intimidar o conhecimento e a verdade, interpomos nosso compromisso de que continuaremos ao lado do cidadão e da cidadania, promovendo a universidade como espaço plural", disse em nota.
Nos últimos dias, aconteceu o terceiro ataque a um evento do InEAC. Entre os participantes da live Cultura e Racismo estava a cineasta Éthel de Oliveira, que dirigiu o documentário Sementes, mulheres pretas no poder. As vozes dos debatedores ficaram inaudíveis até que o invasor anunciou: "Bolsonaro!"
Responsável pela transmissão e coordenador do Laboratório de Estudos Multimídia do InEAC, Claudio Sales, afirmou que perdeu o controle do computador na transmissão, algo novo em relação às ações anteriores.
Dúvidas, Críticas e Sugestões?
Fale com a gente
Segundo ele, no primeiro ataque, os hackers usaram imagens de videogames de guerra para derrubar um evento. Para evitar ações desse tipo, as transmissões passaram a ser geradas por meio de um aplicativo e transmitidas pelo YouTube.
De acordo com Sales, o segundo ataque atingiu o debate das professoras sobre a polícia e usou robôs em um chat para inviabilizar a participação da audiência, que deseja enviar perguntas. "Quando isso acontece, só nos resta fechar a seção de comentários." Contra a ação, Sales ainda não sabe o que fazer. Até agora, nenhum dos hackers foi identificado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.