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Uma indígena 'youtuber' do Xingu na comitiva brasileira

Pouco mais de seis anos separam o discurso do presidente Jair Bolsonaro durante a abertura da 74ª Assembleia-Geral da ONU da participação de Ysani Kalapalo em sessão na Câmara para homenagear os povos indígenas. Na terça-feira, 24, Ysani foi citada no pronunciamento de Bolsonaro como uma liderança indígena emergente, depois de o presidente atacar o cacique Raoni, do povo Caiapó. "Acabou o monopólio do senhor Raoni", disse Bolsonaro, que convidou Ysani para integrar a comitiva do governo em Nova York. Em abril de 2013, falando da tribuna da Câmara, Ysani exaltou justamente a liderança de Raoni.
Como os integrantes tradicionais de sua cultura não contam a idade nem comemoram aniversário, Ysani calcula ter 28 anos. Ela nasceu numa família com seis irmãos na aldeia de Tehuhungu, no Alto Xingu (MT), e ganhou projeção depois de fundar e presidir o Movimento Indígenas em Ação. Mas a popularidade veio com seu canal no YouTube, que conta hoje com 280 mil inscritos. Ela se autodefine como "a indígena do século 21" e usa o canal para falar sobre "a curiosidade indígena e outras coisas que os ouvintes pedem".
No começo, as postagem abordavam o cotidiano nas aldeias e foram se politizando com o tempo. Seus primeiros vídeos mostram danças dos Kuikuros e imagens pessoais, como na publicação "Índia Ysani bagunçando os cabelos". Depois disso, já opinou sobre a biografia de Carlos Marighella e o regime de Nicolás Maduro na Venezuela e entrevistou Bolsonaro para seu canal.
Em publicação feita no último dia 17, antecedendo a viagem a Nova York, ela escolheu Raoni como alvo. "Tem um certo cacique que a gente vê muito na mídia. Um certo cacique que se diz representante de todos os povos do Xingu. O que não é verdade", afirmou. "O cacique Raoni é cacique da aldeia dele. Ele fica lá no baixo Xingu, não no alto Xingu, não é legal você falar por todo o Xingu", disse a líder.
Dois dias antes, Ysani fez comentários sobre as queimadas na Amazônia - que rendeu uma crise entre Bolsonaro e governos europeus, que criticam a atual política ambiental do governo. A líder isentou o governo de responsabilidade pelo fogo no floresta. Segundo ela, "nesta época do ano, os povos indígenas fazem roças nas aldeias, queimam para 'limpar a terra' e depois plantar". "Por vezes, no entanto, o vento acaba levando o fogo para outros lugares", declarou.
'Prestígio'
Bolsonaro usou boa parte do seu discurso na ONU para rebater críticas de países estrangeiros à política ambiental do governo, dizendo ver interesses financeiros nesses questionamentos. Durante a fala, aproveitou para citar Ysani, que, segundo o presidente, "goza da confiança e do prestígio das lideranças indígenas interessadas em desenvolvimento, empoderamento e protagonismo".
No entanto, sua escolha para integrar a delegação brasileira ficou longe de ser consenso. Em carta pública, lideranças de 16 povos habitantes do próprio Xingu declararam enxergar desrespeito à autonomia das organizações dos povos indígenas na indicação dela como representante em eventos nacionais e internacionais.
"O governo brasileiro, não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura indígena simpatizante de suas ideologias radicais com a intenção de convencer a comunidade internacional de sua política colonialista e etnocida", diz o documento.
Antes de se aproximar do bolsonarismo, ela teve boa relação com políticos da esquerda. No mesmo ano em que defendeu Raoni na Câmara, elogiou o então deputado Jean Wyllys, durante o 10º Seminário LGBT no Congresso Nacional. "Acompanho a luta dele há muito tempo", disse a indígena, comparando o preconceito a homossexuais ao sofrimento de indígenas durante a colonização do País.
Congresso
Nesta quarta-feira, 25, Ysani e Raoni foram recebidos na Câmara dos Deputados. Parlamentares da oposição ao governo levaram o cacique para um encontro com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Já o líder do governo, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), recebeu Ysani.
No Congresso, Ysani defendeu Bolsonaro. "Aceitei esse convite de Bolsonaro (para ir à ONU) para mostrar o outro lado que muitos não conhecem, que são os povos indígenas do século 21." Para ela, os indígenas têm direito de querer sua independência financeira.
Raoni, por sua vez, rebateu declaração do presidente feita na ONU, segundo a qual o cacique serve de "peça da manobra por governos estrangeiros na guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia". "O Bolsonaro falou que eu não sou uma liderança, mas é ele quem não é uma liderança e tem de sair", afirmou o cacique. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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